Cidade inventada

Basta olhar em volta: o Brasil se transformou num deserto de ideias. Hoje, só é realizado o que a tecnocracia determina e conforme a burocracia concede (isso se o Ministério Público permitir). De resto, deu um apagão geral na nossa tão propalada usina de criatividade, o tal do jeitinho brasileiro.

O vazio criativo encontra-se principalmente nas grandes cidades. Curitiba não foge à nova regra, porque por mais que a urbe seja generosa de ideias (nove entre dez curitibanos são urbanistas), ela ainda não foi varrida do mapa brasileiro. O sistema de transporte público é um exemplo da nossa capacidade inventiva, conforme repete o arquiteto Carlos Ceneviva: “Foi feito com pouco dinheiro e muita criatividade”.

Outro exemplo, e muito significativo, são as propostas dos candidatos a prefeito no debate eleitoral. De esquerda, centro ou direita, de norte a sul, leste a oeste, parece que os programas de governo foram elaborados por um só marqueteiro: saúde, educação, emprego e transporte, tudo dentro da receita do que a tecnocracia determina e a burocracia concede. E se ultrapassar o eixo do vício, não é “factível” (como gostam dessa palavra!), não rende votos e não pode ser feito porque ninguém ainda executou coisa parecida.

Ousadia, hoje, é uma palavra só permitida aos poetas. Mesmo assim, advertem, quando usada com moderação. Com tantos erros históricos já cometidos em nome do “bom senso”, incrível, ainda temos medo de errar.

Uma boa ideia não custa caro. Em função da combalida saúde da economia mundial não se mostrar propícia para abrir um banco (ao contrário, falir um banco é muito mais negócio), na falta de verbas devíamos criar um Banco de Ideias. Uma ideia, bom lembrar, já posta em prática nesta Curitiba que pensa na frente. Foi na terceira gestão de Jaime Lerner, quando o cofre de ideias da Sorbonne do Juvevê (o Ippuc) já estava um tanto quanto exaurido de imaginação.

Quem fez o projeto gráfico do Banco de Ideias foi o cartunista Solda (conforme o desenho anexo), com a bênção dos publicitários Sérgio Mercer e Ernani Buchmann. Através da “gerente” Lídia Dely (ex-esposa do falecido arquiteto Rafael Dely), Lerner convocou alguns nomes da cidade para formar um grupo de análise das sugestões vindas da população, reunidos uma vez por mês em volta do prefeito, com a tarefa de não só examinar propostas como também propor alternativas. Convidado a fazer parte da congregação criativa, lembro ter colaborado com três propostas (as duas primeiras recebidas com boas gargalhadas): uma era a criação, nos moldes da Linha Turismo, da Linha InterBares (por premonição quanto à atual lei seca no trânsito). Outra ideia exótica que apresentei seria estabelecer nos bairros um traçado de ruas pavimentadas com grama. Ou seja, áreas de lazer nas vias urbanas de pouquíssimo trânsito de veículos (ao substituir o asfalto pelo verde, as empreiteiras não iriam gostar muito da ideia).

Por último, palpitei com uma ideia das mais simples: construir o metrô em Curitiba. Foi então que o prefeito me olhou atravessado, deu por encerrada a reunião e fomos todos jantar no Tortuga.