Dizem que 160 mil turistas estrangeiros cruzaram o Rio Atuba e até o apito final da Copa do Mundo outros milhares ainda vão passar por aqui. Os números não dizem muita coisa.

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Curitiba, cantada em verso e prosa como uma cidade sem portas, é uma cidade de muitas fronteiras. Muito mais que Foz do Iguaçu (a se gabar de suas três fronteiras), Curitiba reparte seus limites com meio mundo. Terra de todas as gentes, costumes, fazeres e viveres de além-mar, se transformou em uma babel comportada, ensimesmada, de convivência pacífica e de influências trazidas, adquiridas e compartilhadas. É uma cidade fronteiriça com um povo fronteiriço, onde o saguão de hotel é a extensão da casa.

Tony Judt (1948/2010), em seu livro O Chalé da Memória, tem uma interessante teoria sobre as cidades fronteiriças. Com ojeriza aos patrioteiros (“O último refúgio dos canalhas”), o historiador britânico prefere a diversidade da fronteira: “O local onde países, comunidades, alianças, afinidades e raízes se entrechocam desconfortavelmente – onde o cosmopolitismo não é uma identidade, e sim a condição normal de vida. Tais lugares já foram abundantes. No século XX havia muitas cidades que englobavam comunidades e idiomas múltiplos – com frequência mutuamente antagônicas, por vezes conflitantes, mas de alguma forma convivendo. Pelos padrões do conformismo americano, Nova York se assemelha a essas cidades cosmopolitas perdidas: por isso moro lá”.

Pena que Tony Judt não tenha conhecido Curitiba. Sem identidade (como muitos reclamam) e despossuída do senso de pertencimento, vivemos numa cidade fronteiriça com um povo hifenado: luso-brasileiro; ítalo-brasileiro; germano-brasileiro; teuto-polaco; nipo-brasileiro; gaúcho-paranaense; catarina-curitibano e, dentre as variedades de hifenizações étnicas, é preciso destacar o polaco-brasileiro: a terceira maior cidade polaca no mundo é Curitiba. A primeira é Varsóvia, capital da Polônia, e a segunda é Chicago, nos EUA.

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São tantos os confins de Curitiba! A capital do Paraná está situada nos arredores da Itália, da Alemanha, da Polônia, da Ucrânia, da Espanha, da Rússia, da França, do Japão – reunimos na Boca Maldita uma liga das Nações -, tendo ao Leste fronteiras com os caiçaras e lusos-parnanguaras de serra abaixo; a Noroeste, com paulistas e mineiros da terra roxa; ao Nordeste com a Bahia de Todos os Santos; a Sudoeste com os gaúchos de Pato Branco e Francisco Beltrão; a Sudeste com Joinville e Balneário Camboriú. Ao Norte, com São Paulo; e abaixo do Rio Atuba somos a última fronteira com o Polo Sul.

Curitiba, assim sendo (embora muitos não a reconheçam ainda como uma cidade cosmopolita), pode afirmar em todas as línguas – inclusive as mortas – que é uma cidade fronteiriça. Aqui a falta de identidade não é um defeito e sim a condição normal de vida.

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