Casa trabalho

Vamos botar na ponta do lápis. Quantas horas por dia um funcionário público – digamos – desperdiça para ir e vir ao trabalho, supondo-se que ele more num bairro e tenha que atravessar a cidade de carro? Quanto ganharia a cidade e o meio ambiente, se esse mesmo funcionário fosse incentivado a trabalhar no local onde também mora?

A tese não é nova. Qualquer urbanista imagina essa possibilidade desde o jardim de infância. Muito se discute, muito se estuda, muitos planos foram para a gaveta – no tempo da gaveta, hoje vai para o pen-drive – enquanto isso o trânsito continua cada vez mais congestionado e lento. Uma simples ida ao dentista demanda os noventa minutos de uma partida de futebol. Se chover, o engarrafamento leva a partida para os pênaltis.

Como todos sabem, Curitiba tem um automóvel para cada dois habitantes e, dentro de cada automóvel, dois arquitetos. Depois do fechamento da Rua XV de Novembro, a polêmica causou tamanho surto vocacional que hoje praticamente todos os curitibanos são urbanistas. Com exceção de Dalton Trevisan. Este bravo pedestre nunca deixou de ser escritor, graças a Deus.

Assim sendo, custa crer que o poder público pretenda investir milhões milhões e milhões de dólares – da cornucópia dos cofres públicos não saem cifras exatas – na construção do metrô.

 Todas essa incalculável fortuna deveria, isso sim, ser investida num projeto de incentivo para as pessoas trabalharem em suas casas. Na pior das hipóteses. Da casa para o trabalho, na distância máxima de uma saudável caminhada de dez minutos.

Como realizar tal proeza? Como também me autonomeio urbanista, posso chutar que é perfeitamente simples. Basta fazer uma pergunta: ?Você tem condições de fazer o seu trabalho em casa??

Se a resposta for positiva, o Estado vai incentivar e a sociedade vai criar condições para tirar você e o automóvel das ruas da cidade. Você vai ganhar no combustível, a cidade vai ganhar na atmosfera. Você vai desafogar o transporte coletivo e a cidade vai desafogar o trânsito.

Curitiba é onde se concentra o serviço público do Estado. Digamos que você trabalhe no Centro Cívico: quantas pessoas na sua repartição poderiam estar em casa, na frente de um computador, fazendo exatamente o mesmo trabalho? Isto sem precisar almoçar fora de casa, muitas vezes na praça de alimentação de um shopping – é sempre bom desconfiar da saúde mental de quem almoça diariamente numa praça de alimentação.

De casa para o trabalho, do trabalho para casa – em busca do tempo perdido -, essa difícil equação será resolvida num futuro que está próximo; por força do meio automóvel que cada curitibano tem na garagem e do crescimento vertiginoso da cidade.

Crescimento da população, crescimento do número de veículos, crescimento da poluição atmosférica, para frear essa tendência que pode nos levar ao destino de São Paulo, só nos resta jogar o relógio despertador pela janela e ficar em casa. Com pantufa ou sem pantufa, fique à vontade.

Pouco à vontade deve ficar aquele chefe de repartição, o cioso de autoridade que não terá como viver sem um batalhão de subordinados servis em sua volta.

Com certeza, trabalhar em casa tem suas desvantagens. Ontem precisei levar minha mulher ao dentista, no outro lado da cidade: para subir a Rua Desembargador Motta e descer a Rua Brigadeiro Franco, levamos o tempo de uma partida de futebol. Eu trabalho em casa e Maí é sábia, não sabe dirigir.