Casa de colono tem

Recebi e passo adiante, com alguns remendos também no palavreado. Veio das bandas dos Campos Gerais, lá dos lados de Tibagi. Pelo menos para mim, é obra de vivente desconhecido. Sendo assim, se o estimado quiser botar a colher no meio, acrescentar umas raspas de panela, esteja em casa.

Tem cortina ao invés de porta. Tem um pijama limpo e bom caso for preciso baixar hospital e uma roupa bonita para ir na missa. Tem “umas pernas” de salame dependurado no porão. Tem o calendário de Santo Antônio na parede da sala. Tem uma mesa comprida, com gaveta, e o baralho ensebado dentro. Tem o canivete em forma de foice para o fumo. Tem umas latas no alto do balcão da cozinha com farinha, arroz, erva, açúcar… aquelas que os nenês sentam em cima para ficar do tamanho da mesa. Tem pão sovado, salame, chimia e sagu com creme para comer, sempre.

Tem uma lata de broinha de fubá mimoso e outra ainda de goiabada. Tem rocambole fofo coberto de açúcar. Tem o guarda-comida fechado com tela bem miúda, que é para não entrar mosca. Tem roupa secando no tampo e nos ferrinhos do fogão à lenha, aceso o ano inteiro e com a chaleira que nunca sai de cima. Tem uma panelada de feijão cozinhando para o almoço e, se sobrar, para a minestra da janta. Tem um saco de ráfia pendurado, com um monte de outros sacos de ráfia “drento”. Tem patente ou tem banheiro, mas é do lado de fora. Tem os remédios para berne e sarna dos bichos em cima da geladeira. Tem uns pés de bergamota, lima ou laranja do céu do lado da casa, onde os guaipecas ficam deitados o dia inteiro.

Tem “uns par de garrafa de refri 2L” com vinho ou cachaça dentro, umas de butiá, outras de mato, que faz bem para o rim. Tem a varinha atrás da porta para tocar os gatos para fora. Tem telefone com antena externa e uma bateria de caminhão. Tem um sabugo de milho enrolado com um pano para trancar a água do tanque. Tem compota e as chimias de todos os tipos em cima do balcão. Tem sonho de verdade coberto com canela. Tem meia dúzia de galinha “ponhedera” solta no pátio que vão virar brodo qualquer dia. Tem as toalhas de mesa floreadas para usar quando chegam parentes ou visitas.

Tem travesseiro com pena de ganso. Tem aquele fusca 75 estacionado na garagem. Tem casca de laranja pendurada atrás do fogão a lenha para fazer chá. Tem pedaço de chinela havaiana para fazer a porta parar de bater. Tem cadeira de balanço com um chinelo jeitoso embaixo. Tem batata doce e amendoim assando no fogão a lenha. Tem ratoeira armada em todos cantos da casa. Tem o tanque de concreto onde os pirralhos tomam banho nos dias quentes, na água que a nona lavou a roupa com o sabão de soda. Tem um poço de água “límpia” com o balde de aluminho amarrado na corda do molinete. Tem umas vacas de leite que vão “carniá” quando gordas. Tem um leitãozinho na ceva para a virada do ano. Tem o quadro “dos bisa”, quando eram novos, na parede da sala.

Tem o retrato da Nossa Senhora Aparecida com uma vela acesa embaixo. Tem máquina de costura da marca Elgin, com as gavetinhas cheias de carretéis e botões. Tem o espelhinho laranja no banheiro e o estrado de madeira para tomar banho, e quando cai o sabão você não consegue pegar. Tem arruda, para tirar o mau olhado, e comigo-ninguém-pode junto do portão para espantar visita invejosa. Tem aquelas flores de plástico que se põe água com açúcar para o beija-flor tomar. Tem um pé de limão que é para curar gripe com uma purinha. Tem o papagaio falando com a nona e que reza o Pai Nosso inteiro. Tem toalha de crochê enfeitando a mesa da cozinha. Tem uma gaveta com as receitas da família, escritas em velhos cadernos escolares. Tem uma vassoura de galho para varrer o pátio, escorada numa árvore. Tem uma garrucha pendurada atrás da porta, para caçar paca, tatu, cutia – não que esse bicho se cria no quintal.

Só não tem chave na porta da frente, porque na colônia se vive bem e não tem os ladrões de Curitiba.