Se pudesse voltar no tempo, meu candidato a vereador seria João Burda, polaco da Lapa que adquiriu terras no Bigorrilho e, em 1908, era um dos maiores festeiros da história de Curitiba. 100 anos depois, comparando-o com atuais candidatos a vereador, nos certificamos que a cidade cresceu na tristeza e diminuiu na alegria.

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Com raras exceções, candidato a vereador é um personagem folclórico com prazo de validade estipulada. Sua performance bufa na propaganda gratuita da televisão dura no máximo três meses, contando com algumas lembranças que ainda ficam no imaginário popular. O candidato a prefeito Lauro Rodrigues, que tem o figurino de um candidato a vereador, é um exemplo. Desde o último debate na TV, quando sofreu um ataque de amnésia ao vivo, Rodrigues entrou para o rol das figuras folclóricas da cidade. Pena que por um breve tempo: até o Natal o reencontraremos “recuperado para a sociedade”.

João Burda, meu candidato a vereador “in pectore”, viveu numa cidade risonha e franca o suficiente para celebrar os melhores defeitos e as piores qualidades de seus personagens.

Também conhecido como Capitão, por ter participado da Revolução Federalista (pelo menos assim se gabava), comprou uma extensa área de terras no Bigorrilho, em 1890. Fabricava tijolos em seus domínios, que iam da Rua Euclides da Cunha até a Rua Jerônimo Durski, fazendo divisa com a Rua Padre Anchieta.

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Não muito afeito a botar as mãos e os pés no barro, Burda mudou de ramo e abriu um armazém de secos e molhados, na Alameda Princesa Izabel esquina com a Rua Bruno Filgueira. Morava não longe do negócio, ali na Júlia da Costa, perto da Rua Marechal João Bernardino Borman.

Pelo que se deduz da memória oral do Bigorrilho, o negócio do João Burda não era ficar atrás do balcão. Tinha vocação para ficar na frente e, de preferência, sentado em cima de um engradado vazio de cerveja. E assim foi: largou o seu próprio armazém para bater ponto no armazém do vizinho Gregório. Chegava de manhã, ajeitava o engradado vazio diante da porta e começava a tomar cerveja da marca Providência, escura. Voltava para casa lá pelas nove da noite, quando já tinha oferecido cerveja para todo mundo. Não satisfeito com a folia que patrocinava no armazém do seu Gregório, o Capitão construiu um barracão para fazer bailes nos fins de semana, só para os amigos e parentes se divertirem. Não cobrava ingresso e ainda pagava o gaiteiro.

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Em 1908, o Bigorrilho era uma festa e João Burda o festeiro que fazia a folia chegar, inclusive, até ao centro daquela então modorrenta Curitiba.

Quando o capitão Burda ia à Praça Tiradentes de charrete, era um espanto. Chegava no armazém do Candinho e pedia um balde, que enchia de cerveja preta para matar a sede dos cavalos. Mais espantados ainda ficavam os almofadinhas da Matriz, quando Burda enrolava uma nota de 500 mil réis e com ela acendia o charuto.

O Carnaval fora de época ficava para o fim da excursão: o Capitão da festa costumava contratar uma bandinha de circo para animar o retorno ao Bigorrilho. A charrete na frente, a bandinha atrás e a piazada abrindo alas para a alegria subir as ladeiras do Bigorrilho.

Em outras ocasiões, contam os pesquisadores Maria Luiza Gonçalves Baracho e Marcelo Saldanha Sutil (“Bigorrilho: a Construção de um Espaço Urbano”), “montado num cavalo pampa bonito, que pulava obstáculo como no hipismo, ele ia à Praça Tiradentes e lá saltava sobre os bancos. O cavalo pampa, amarrado numa árvore enquanto o Capitão percorria o centro, era recolhido pela polícia. Já sabiam que era dele e o levavam embora. Ele ia lá, pagava e tirava o cavalo dele, pulava mais um pouquinho e ia a cavalo pra casa”.

Bonachão e forte feito um touro, João Burda erguia uma cadeira até a altura do ombro, com dois dedos, e exclama bem feliz: “Eu sou o Joãozinho bonzinho da Lapa”.

Em 1908, o prefeito de Curitiba chamava-se Joaquim Pereira de Macedo. Joãozinho Bonzinho nunca foi vereador. Poderia ter sido, inclusive com o meu voto de 100 anos depois.