Campo de golfe na Caximba

Na crise do lixo em Nápoles, em 2007, as autoridades italianas encheram um navio de lixo e mandaram descarregar na África. Lá chegando, o chorume (ou choradeira) foi tanto que o navio teve que retornar ao porto de Nápoles sem ter onde enterrar a “immondizia”. Se a encrenca do lixo curitibano não terminar em pizza, desde já pergunta-se: qual será o destino do nosso chorume?
Ao enviar o lixo para o continente africano, os italianos fizeram sem nenhum pudor o que o hemisfério Norte vem fazendo há séculos com os subdesenvolvidos: um fundo de quintal, onde depositam rejeitos de toda espécie. Da indústria poluente aos resíduos culturais.

O lixo napolitano só não se transformou em comédia porque a tragédia foi inevitável. A começar pela pizza. Na época, os jornais italianos denunciaram a presença de dioxina produzida na região onde são feitas as melhores mussarelas do mundo. Ingrediente chave da pizza napolitana, a presença da dioxina na mussarela se tornou então o símbolo da invasão do lixo que ameaçava Nápoles.

Os políticos italianos são ótimos comediantes. Quando o chorume chegou às sensíveis narinas de Roma, o governo anunciou a reabertura de um aterro anteriormente fechado para dispor de 3.700 toneladas de lixo que estavam sendo despejados nas ruas de Nápoles e arredores. Até aí, tudo bem. O problema é que quando o aterro foi fechado, anos antes, os moradores da região receberam a promessa que um campo de golfe ali seria construído. Como resultado do fechamento, muitos moradores investiram poupanças para a construção de apartamentos e residências nos arredores. Em alguns casos, luxuosos condomínios a poucos metros de distância do local. Com a reviravolta nos planos, os investidores acordaram subitamente com uma montanha de lixo na vizinhança, em vez dos 18 buracos e um gramado de cinema. Conclusão, o campo de golfe foi o negócio imobiliário mais podre da história napolitana.

A crise do lixo em Nápoles reuniu numa só valeta os piores clichês do sul da Itália: má gestão, interferência política, especulação, corrupção, a Camorra e a capacidade das autoridades competentes para desviar a atenção e botar a culpa nos outros. Algo semelhante com o que estamos assistindo na região metropolitana, com uma diferença: os nossos resíduos orgânicos e hospitalares ainda não começaram a ser exportados para a África ou qualquer outro quintal mais próximo.

Ainda não exportamos lixo, mas vamos exportar. Antes que o inevitável aconteça, precisamos começar a pensar em futuros destinos. No terceiro planalto paranaense, Guarapuva, terra de Victor Hugo Burko (presidente do IAP), ficaria fora dos planos, por suposto. No segundo planalto, Ponta Grossa poderia acolher o chorume, caso os cronistas Luiz Augusto Xavier e Carneiro Neto não fossem os primeiros a pegar em armas.

Como no primeiro planalto qualquer aterro passa pelo crivo das picuinhas políticas provincianas, só resta enviar o entulho para o litoral, como sempre. Como nossa orla sempre foi tratada como lixo, bastaria fechar os olhos e escolher um ponto ao acaso: Guaratuba, Caiobá, Matinhos, Praia de Leste e adjacências. Em Paranaguá, o lixo pode ser depositado diretamente no Canal da Galheta, o que a natureza já vem fazendo por livre e espontânea vontade. E em Antonina (pelo modo como é tratada não serve para outra coisa) o lixo-que-não-é-lixo resolveria o problema de desemprego no porto.

Livres do chorume, o que faremos com o aterro da Caximba? Elementar, a receita é italiana: um campo de golfe!