Calor dos infernos só no paraíso

Jaguara, o animador de Velórios dos Campos Gerais, assim como o Pirata Bolorot, está refugiado em Porto Belo, Santa Catarina. Bem como o bucaneiro francês, que depois de saquear os espanhóis se escondia na enseada da Caixa D°Aço, o Jaguara aproveita o esconderijo para se refrescar com as cervejas do Bar Flutuante Balanço do Mar

– No calor dos infernos, só no paraíso! – diz o Animador de Velórios.

No planalto paranaense o calor é tanto que até algumas expressões perderam o sentido. Antes, o “calor era senegalesco”. O Senegal por ser aqui, assim como o Haiti, perdeu o direito à expressão: agora temos o “calor curitibano”. Por certo Curitiba é a morada do Abominável Homem das Neves, mas pelo uma ou duas vezes por ano é possível fritar ovos no asfalto da Marechal Deodoro.

Não se sabe ainda se os gaúchos já tentaram assar uma picanha no asfalto, mas tem uma cidade no Arizona, Oatman, no velho Deserto do Mojave, onde 150 pessoas fazem uma competição anual de fritar ovos no asfalto, todo 4 de julho, às margens da famosa Route 66. Vencem a prova os concorrentes que chegam mais perto de cozinhar um ovo em 15 minutos apenas por exposição ao sol. De vez em quando um ovo chega a fritar em Oatman, um dos pontos mais quentes do mundo. Só que, para tanto, as regras permitem coisas do tipo lentes de aumento, espelhos, refletores de alumínio e similares.

Encontrei o Jaguara comprando frutos do mar no Mercado Público de Itajaí, muito bem acompanhado por uma bela galega que me foi apresentada como bióloga marinha. Para evitar constrangimentos, não perguntei o paradeiro da patroa. Quem me informou foi o próprio:

– Para não morrer pela boca, nada melhor do que ter ao lado uma especialista. Inclusive, acerca dos hábitos e costumes dos animais marinhos. Poucos sabem, mas o primeiro contato do golfinho com o homem ocorreu aqui em Santa Catarina.

– Aqui em Itajaí? – perguntei.

– Não se sabe o ponto exato. Mas foi em algum ponto entre Itajaí e Florianópolis. Estava o açoriano tarrafeando muito além da arrebentação, quando emergiu junto à canoa um raro golfinho azul.O pescador nunca tinha visto golfinho; o golfinho nunca tinha visto o caiçara. Um ficou olhando pro outro, sem saber o que dizer. De repente, o pescador embevecido soltou a famosa interjeição típica dos açorianos do litoral de Santa Catarina, que pode expressar alegria, aplauso, decepção, irritação e vale por mil palavras: “Ê-ê-ê-ê-ê-ê-ê-ê!”.

Para quem ainda não ouviu, a interjeição do caiçara tem som agudo vindo direto da garganta, com o acento circunflexo bem caprichado.

– Depois desse primeiro encontro entre golfinho azul e o ser humano, até hoje a família dos botos se manifesta com a mesma expressão dos caiçaras – ensina o Jaguara, depois de arrematar mais uma caipirinha com a bióloga. Isso demonstra que a natureza é sábia. Se aquele golfinho azul tivesse conhecido antes o pescador de Florianópolis, a expressão dos botos seria a mesma dos manezinhos da ilha: “Lhó, lhó, lhó, lhó!”.

Depois de encher a sacola com frutos do mar para uma boa caldeirada, o Jaguara e a bióloga se despediram com uma última lição:
– Você sabe por que os melhores camarões vêm de Santa Catarina? Eles têm a casca grossa de Lages, o rabo bonito da Vera Fischer, são frescos porque nascem em Laguna e têm cocô na cabeça porque, atualmente, isso é o que mais jogamos no mar.