Pois estou a ler as memórias de início de carreira de Winston Churchill (“Minha Mocidade”), quando lá pelas tantas ex-primeiro ministro inglês nos conta de sua indignação com a campanha puritana de uma integrante do Condado de Londres chamada Mrs. Ormiston Chant. No verão de 1894, essa vetusta dama iniciou um movimento contra os jovens frequentadores das calçadas em frente aos teatros. Ponto de encontro, as calçadas dos “music-halls” ficavam repletas de jovens de ambos os sexos, que não só namoravam durante os espetáculos e nos intervalos, como também tomavam umas e outras: “Mrs. Ormiston Chant e seus amigos fizeram numerosas acusações relativas à sobriedade e moralidade desses jovens, visando a conseguir a interdição do local e de todos os bares que o serviam”.

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A controvérsia despertou intenso interesse público, os jornais repercutiram prós e contras e, como frequentador daquelas alegres passeios, o jovem Winston Churchill sentiu nos brios as acusações e insinuações de Mrs. Chant: “Nada tínhamos a censurar no comportamento de um e de outro sexo. O único ponto que nos parecia passível na crítica era justamente a maneira severa e até rude com que os enormes policiais uniformizados removiam imediatamente, chegando a empregar a força em plena rua, todo aquele que sem sentir houvesse passado os limites da correta temperança. Consideramos a campanha de Mrs. Chant inteiramente despropositada e contrária às melhores tradições da liberdade inglesa”.

Sempre temperado com bom humor, um dos mais fortes argumentos de Winston contra a truculência, a repressão em praça pública e a ingerência do Estado nos hábitos sociais dos cidadãos era a necessidade de desfraldar a bandeira da liberdade.

Depois de muitos desentendimentos, convencionou-se que os bares seriam separados da calçada por pequenos tabiques de lona: “Assim, os templos de Vênus e de Baco, embora adjacentes, estariam separados”. Hosanas se ergueram das fileiras dos puritanos, os donos de bares se acomodaram e uma “paz vergonhosa” foi estabelecida: “Aquela hipocrisia me causou nojo. Não fazia ideia, nesse tempo, do enorme papel, indiscutivelmente valioso, desempenhado pelas comédias na vida social de grandes povos que desfrutam um regime democrático. Eu queria uma definição precisa dos deveres do Estado e dos direitos individuais, modificados se necessário pela conveniência pública e pelo decoro”.

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No sábado seguinte à instalação dos tabiques nas calçadas, um jovem furou a lona com a ponta da bengala. Outros seguiram o exemplo e, de repente, um grupo de trezentas pessoas enfurecidas avançou sobre as calçadas e botou tudo abaixo. Os policiais ficaram impotentes e, no rasgar da lona, os bares ficaram ainda mais próximos à “promenade” que tanto haviam servido.

Foi nesse cenário que o grande orador e estadista da Segunda Guerra Mundial pronunciou seu primeiro discurso. Subiu num monte de destroços e ganhou as páginas dos jornais londrinos: “Já nos viram derrubar estas barricadas esta noite. Derrubemos agora, nas próximas eleições, aqueles que se tornaram responsáveis por elas”.

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As palavras foram recebidas com estrondosos aplausos, mas os puritanos ganharam as eleições. Vênus e Baco foram separados com tijolos e as calçadas foram reservadas à temperança.