Dizem que a pressa é a madrinha do arrependido. Pois sim. Este apressado, que aqui escreve pela última vez neste fim de ano, ganha uma semaninha de férias arrependido por ter acabado de ler “De Menino a Homem”, o livro de memória de Gilberto Freyre que cairia muito bem numa folgada rede à beira mar.

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Diário íntimo em tom de confissão, as memórias de Gilberto Freyre começam na Revolução de 30, quando foi “convidado” a se exilar nos Estados Unidos e nos dizem da emoção de pegar pela primeira vez na mão um exemplar de Casa Grande & Senzala, chegando a contar de suas “experimentações homossexuais” na Europa e nos Estados Unidos. São revelações surpreendentes, diante da tão propalada vaidade do Mestre de Apipucos. Sem medo de chocar os mais puritanos, Freyre descreve sua viagem à Alemanha, devastada e empobrecida, onde esteve em visita à Universidade de Hamburgo:

“Jovens ou adolescentes dos dois sexos oferecendo-se a turistas que os desejassem? Eu próprio, diante de lindo efebo louro, não resistira aos seus encantos. Deixara-me masturbar por ele, com Vicente do Rego Monteiro (pintor) servindo de tapume”.

O nosso saudoso crítico e escritor Wilson Martins, com toda sua independência intelectual que até os desafetos reconheciam, dizia: “Não comento autores, comento livros”. Mesmo assim, e sempre de forma elegante, o crítico gostava de contar casos acerca da monumental vaidade de Gilberto Freyre. A vaidade dos escritores é bem conhecida. Mas nenhum deles, ontem e hoje, tinha o ego tão inflado quanto o pernambucano.

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Vida íntima à parte – e as saborosas fofocas também -, interessante trecho é aquele em que Gilberto Freyre conta de sua passagem pela Universidade de Stanford, quando teve a oportunidade de acompanhar as pesquisas do grupo de trabalho de Lewis M. Terman, o famoso psicólogo americano que em 1916 introduziu o conceito de Q.I (Quociente de Inteligência). Testes que logo se transformaram numa indústria milionária.

Dentre outras teorias abraçadas por Terman, uma delas ensinava que “nem todos os criminosos são retardados, mas todas as pessoas retardadas são, no mínimo, criminosos em potencial.
É praticamente indiscutível que toda mulher que sofre de deficiência mental é uma prostituta em potencial. O juízo moral, como o juízo comercial, o juízo social ou qualquer outro processo mental superior, é uma função da inteligência.

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A moralidade não pode florescer ou frutificar se a inteligência continua sendo infantil”.

Terman empreendeu ainda um incrível trabalho para determinar o QI de grandes personagens do passado, utilizando-se de documentações e outras provas sobre a vida da pessoa, e estudou a influência do ambiente no desenvolvimento intelectual das pessoas.

“Esse psicólogo – relata Gilberto Freyre – me referiu que uma das conclusões daquele grupo de pesquisadores fora a de que os indivíduos de gênio se fazem, quase sempre, notar por um brilho nos olhos, que, de ordinário, falta às pessoas comuns; e que, por esse brilho, eles se assemelham mais a adolescentes e a meninos do que a adultos comuns. O que não significava que fossem deficientes como adultos. Ao contrário: os indivíduos de gênio, ao contrário de vários mitos a seu respeito, raramente deixam de atingir – segundo Terman – maturidade tanto no desenvolvimento do físico como no da personalidade, em geral. O que eles conservam da meninice é a capacidade de continuarem a ver o mundo, depois de adultos, com os olhos de descobridores que não se cansassem da alegria de ver, de descobrir, de combinar, de maneiras novas e inesperadas, coisas convencionalmente ordenadas”.

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Com muito brilho nos olhos, feliz Natal! E até o ano novo, com centelhas ao olhar o futuro.