Brava mulher

Das homenagens que devemos prestar a Fani Lerner, uma delas seria a publicação da “Memória de Vida” desta brava mulher. Relatos de vida e obra são muitos, a começar por uma entrevista realizada em 23 de março de 2007 pelas jornalistas Beth Klein e Maí Nascimento Mendonça, minha mulher. Em primeira mão, portanto, alguns parágrafos da inédita conversa com Fani Lerner.

Se o Jaime não tivesse sido político, eu trabalharia fora. Tinha exemplo de casa. Eu sou curitibana da gema, da Avenida Sete de Setembro. Só tenho uma irmã, a Ester, mas a família era grande, a gente passava as tardes na casa de uma tia, ia comer bolo na casa de outra… Minha mãe trabalhava, por isso tenho certeza que, se o Jaime não tivesse sido político, eu trabalharia fora. Tinha exemplo de casa. Minha mãe foi trabalhar fora mais por uma necessidade monetária, quando meu pai faleceu. Mas ela foi uma mulher muito feliz nesse sentido, se realizou muito no trabalho. São aquelas surpresas que de vez em quando acontecem na vida. Ela se deu bem, tinha uma loja daquelas de antigamente, considerada até uma butiquezinha quando o Jaime fez um projeto, pintou. (…)

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Se faz demais pode ser “exibida”, se faz de menos “ela não faz”. Primeira dama é um dos papéis mais difíceis que uma mulher pode enfrentar. Ela pode nem gostar de política e vai ser mulher de político. O pior é o que a população espera dela, primeiro porque pode ser tímida e tem que enfrentar uma situação às vezes difícil. Segundo porque, se faz demais pode ser exibida, se faz de menos é porque “ela não faz”. Agradar todo mundo nunca ninguém consegue, em nenhuma posição. O duro é ser jogada de repente numa posição pública, como foi o meu caso quando o Jaime foi prefeito pela primeira vez, e não ter as ferramentas. Você pode se preparar para ser médica, pedagoga, ou não fazer nada, ser só dona-de-casa e de repente estar diante de uma situação em que seu marido é o chefe, o político. E é uma coisa muito rápida, porque mesmo o diretor ou presidente de uma firma vai gradativamente subindo. Na política não, mesmo uma esposa de vereador é cobrada, não vou dizer já de prefeito, governador. Então é difícil. E a gente continua escutando: se faz demais é porque fez demais, se se veste de um jeito, é porque podia ser mais simples.

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Em festa de gente simples, vá chique! Eu me lembro de um conselho que ganhei, a primeira vez que o Jaime se tornou prefeito. É também uma questão de sensibilidade. A gente é convidada pra todo tipo de casamento, de bairro, de pessoas simples, de pessoas chiques, de pessoas médias, principalmente durante uma campanha. Bom, se você vai a um casamento de uma pessoa simples, tem que se vestir bem, porque a pessoa simples quer que você seja a pessoa chique, a mulher do vereador, a mulher do prefeito, no teu bairro. Se você for simples ela vai se ofender, significa que você não deu valor ao casamento dela, da filha dela, ou ao aniversário do filho. Então, são sutilezas sobre as quais uma pessoa me alertou e me lembro até hoje, já faz mais de 30 anos. É preciso ter muita intuição e sensibilidade.

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Como primeira dama, tive várias alegrias. Mas a primeira delas foi trabalhar, me realizar. Eu fui professora primária, gostava. Estudei Psicologia. Depois fui trabalhar num escritório onde administrava incorporações, prestava contas do dinheiro que as pessoas punham na firma para construir prédios. (…) Eu valorizo o trabalho, valorizo a mulher. E a mulher só pode ser valorizada integralmente se trabalhar fora. Ou se tiver muita força e autoestima para ficar em casa por opção. A frase que deve ser mais odiada pela mulher é ouvir do marido “eu é que pago as contas”. Isso termina com a autoestima de qualquer pessoa. Eu nunca quis escutar essa frase. Nunca cheguei a ganhar a mesma coisa que o Jaime, mas, como secretária, se eu quisesse me manter sozinha daria tranquilamente. Eu teria trabalhado, porque é uma maneira de você se gostar, até.