Boemia escada abaixo

Mês de cachorro louco, neste mês de agosto se completam 45 anos de dois violentos casos que marcaram para sempre a vida noturna curitibana. São dois episódios de uma mesma história à espera de um roteirista. Mas antes disso vão fazer parte do livro “Maria Batalhão – Memórias Póstuma de uma Senhora Cafetina”, meu romance histórico que será lançado no início do ano que vem.

Curitiba já teve o seu Rei da Noite, primeiro e único, e ele se chamava Paulo Wendt, o dono da lendária boate Marrocos. Perdeu o trono na madrugada de 20 de julho de 1966. Foi morto a tiros após uma briga, quando dois de seus leões-de-chácara agrediram um freguês devido a um desentendimento no pagamento da conta.

Paulo era casado com uma das loiras mais cobiçadas da cidade e, naqueles anos 50, tinha milionário de Londrina que trocaria uma safra de café por uma noite com a estonteante Ediluz.

Foi uma morte humilhante para um Rei da Noite. Ainda se fosse um acerto de contas pela honra, mas foi um corriqueiro acerto de contas por algumas doses de Cuba Libre. Quatro semanas depois da morte de Paulo Wendt, a boate Marrocos fechou definitivamente.

E a causa do fechamento também foi humilhante. Em agosto de 1966, aconteceria em Curitiba a estreia nacional de O Senhor Puntila e seu criado Matti. De Bertold Brecht. Na cabeça do elenco, como o Senhor Puntilla, estava o celebrado ator Jardel Filho. Um astro de temperamento boêmio e violento. A peça ainda estava em fase de ensaio geral – com o grande elenco formado por atores no começo da carreira e que depois ficariam famosos – e, numa fria madrugada, Jardel Filho foi à boate Marrocos arrumar alguma coisa para se esquentar. E arrumou. Na hora de pagar a conta, muito bem acompanhado, reclamou. Uma reclamação semelhante àquela que causou a morte de Paulo Wendt. Jardel levantou a voz, foi agredido e agrediu. Jogado da escada abaixo, foi parar no hospital. O que atrasou a em dois dias a estreia do espetáculo. A agressão sofrida pelo astro, com pesada repercussão nacional, foi a gota d´água para o fechamento definitivo da Marrocos. Não teve apelação, nem mesmo a exuberante viúva conseguiu reverter a situação. É que o então governador Paulo Pimentel, pessoalmente, deu essa determinação. Os hematomas e o olho roxo de Jardel Filho custaram muito caro para a imagem do Paraná, sempre lembrado como uma terra de jagunços. Alguém precisava pagar o prejuízo que rolou escada abaixo.

Depois dos dois infernos da boate Marrocos, podemos dizer que a vida noturna ficou como o diabo gosta e os boêmios de Curitiba nunca mais foram os mesmos. Também rolaram escada abaixo.