Biografia de um Pal

Chegou o livro que faltava na biblioteca dos paranaenses: Palácio Iguaçu: coragem de realizar de Bento Munhoz da Rocha Netto. Perfeita e bem feita é a biografia de um sonho realizado pelo casal Bento e Flora. Esta, de memória privilegiada, relembra os primeiros momentos de glória do palácio concretizado.

Bento Munhoz da Rocha Netto teve a coragem de realizar o Palácio Iguaçu, primeiro marco do Centro Cívico. O escritor e historiador Jair Elias dos Santos Júnior teve a felicidade de empreender um livro precioso. Precioso e prazeroso, do texto às belas fotos (muito bem tratadas) do acervo de família, escolhidas pela sensibilidade da escritora Flora Camargo Munhoz da Rocha. Com 347 páginas muito bem editadas, dispensando firulas gráficas que muitas vezes apagam o propósito, é o livro do ano do Paraná. E se o atento leitor estiver em busca de um singular presente de Natal, eis aí!

O “menu” oferecido pelo escritor Jair Elias dos Santos Júnior é completo, indo da arquitetura à história, passando pelos ciúmes políticos da época. Inclusive relatando o clamor da imprensa de oposição: “Curitiba dispensa os palácios” foi a manchete do jornal, com uma extensa reportagem questionando as despesas para a construção daquele “castelo”. A estes, o visionário Bento respondia apontando para o futuro.

De tão saboroso livro, ressalta-se o “menu” do banquete que dona Flora ofereceu ao presidente João Café Filho e sua grande comitiva.

Os convidados tiveram como entrada um coquetel, com salgadinhos fixados em abóboras envoltas em papel alumínio. No jantar foi servido “camarão ao catupiri”, uma receita vinda de São Paulo. Um dia antes, a primeira-dama pediu a Paulo Mischur (o grande gourmet de Curitiba) que experimentasse o prato, batizado então de “Marta Rocha”. De sobremesa, doces típicos servidos por belas mocinhas da cidade vestidas com trajes das etnias paranaenses.

Conta o autor que dona Flora, também responsável por toda a decoração, criou um suporte de cestinhas de vime para que os pirex não deslizassem das mãos enluvadas dos garçons: “Quem lucrou com a idéia foi o dono da fábrica de vime que, tempos depois, me confessou ter faturado milhões com a minha concepção”, conta Flora.

Sim, como não podia deixar de acontecer, algumas gafes marcaram os festejos: com três mil convites, os impressos recebiam subscritos os tradicionais “Sr. Fulano e exma. Senhora”. Na pressa, o próprio arcebispo metropolitano mostrou a dona Flora o convite com o “Sr. Arcebispo Metropolitano e Senhora”.

A melhor das gafes, das percebidas, veio de um criativo arranjo de flores idealizado por dona Flora, quatro imensas espirais de hortênsias com mais de dois metros de altura. O efeito seria “surpreendente e magnífico”, como se flores azuis estivessem se erguendo em caracol: “As armações eram aspirais de ferro batido, pintado de azul e crivado de argolas que seriam suportes para os copos com água que seriam a base das hortênsias”.

Tudo teria ficado uma beleza, não fosse a inabilidade da servente encarregada da montagem. As flores não foram colocadas nos seus lugares e os aspirais pareciam esqueletos crivados de copos d’água. No final do banquete, um garçom aflito e gaguejando procurou dona Flora:

– A senhora não avalia a calamidade que está acontecendo… Calcule que os convidados estão bebendo toda a água das hortênsias! Já beberam tudo, acharam a idéia ótima, e querem mais. O que faço? O que fazemos?

Flora, apertando os lábios, dominando a vontade de rir, respondeu:

– Então, agora deixe. Que mais?

– Era água sem filtro. Água de balde!

Flora perplexa:

– Água de balde? Santa Bárbara, que despropósito!

Para consolar a anfitriã, o garçom ainda acrescentou:

– De balde novo, sim senhora!

Intelectuais e elegantes, os genitores do Palácio Iguaçu tinham também uma qualidade escassa nos dias de hoje: o fino senso de humor.