Bilhete a um candidato

Vivendo, lendo e aprendendo. Bilhete a um candidato é uma crônica de Rubem Braga, escrita em outubro de 1956, que pode ser endereçada aos milhares de candidatos a vereador e prefeito desta e das próximas eleições. Parafraseando a crônica, vou baldear a situação para Curitiba, como se o autor estivesse a ouvir um de nossos candidatos.

“Olhe aqui, Rubem. Para ser eleito vereador, eu preciso de três mil votos. Só lá no Shopping Estação, entre lojistas, empregados e fregueses, eu tenho, no mínimo, mas no mínimo mesmo, 300 votos certos; vamos botar mais 100 no Omar Shopping. Bem, 400. Pessoal do meu clube, o Curitibano, calculando com o máximo de pessimismo, 600. Aí já estão mil.”

“Entre colegas de turma e repartição, contei, seguros, 200; vamos dizer, 100. Naquela fábrica da Cidade Industrial, você sabe, eu estou com tudo na mão, porque tenho o apoio por baixo e por cima, inclusive dos sindicalistas; pelo menos 800 votos certos, mas vamos dizer, 400. Já são 1.500.”

“Na Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais minha sogra é uma potência, porque essas coisas de Igreja e caridade tudo lá é com ela. Quer saber de uma coisa? Só na Vila eu já tenho minha eleição garantida, mas vamos botar: 500. Aí já estão, contando miseravelmente, mi-se-ra-vel-men-te, dois mil. Agora você calcule: Dr. Carlinhos no Boqueirão, sabe que ele é o médico dos pobres, é um sujeito que se quisesse entrar na política acabava senador só com os votos da periferia; e é todo meu, batata, cem por cento, vai me dar pelo menos 1.000 votos. Você veja, pô, que eu estou eleito sem contar mais nada, sem falar no pessoal da Água Verde, sem empregadas domésticas, nem professoras primárias, que só aí, só de professoras, vai ser um xuá, você sabe que minha mãe e minha tia são diretoras de escola pública. Agora bote taxistas, aposentados, a turma da pelada e a colônia do pé-vermelho, sabe que o meu velho é de Londrina, e sabe londrinense como é que é!”

“E o Centro de Umbanda? Sabe quantos umbandistas tem só na Vila Centenário? Mais de quatro mil! E nesse setor nem tem graça, o papai aqui está sozinho!
É como diz o Glauco Souza Lobo: sou o candidato de Iemanjá!”

“E fora disso, quanta coisa! Diretor de centro espírita tenho dois. E o eleitorado independente? E não falei no meu bairro, poxa, não falei do Batel, você precisa ver como é lá em casa, o telefone não pára de tocar, todo mundo pedindo cédula, cédula, até sujeitos que eu não vejo há mais de dez anos. E a turma das caminhadas no Parque Barigüi? O Augusto Mafuz garante que só lá tenho pelo menos 300 votos. E a Boca Maldita, e o reduto do Nelson Comel no Bigorrilho, os garçons de Santa Felicidade… Olhe, meu filho, estou convencido de que fiz uma grande besteira: devia ter saído era para deputado!”

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Uma semana antes das eleições, Rubem Braga encontrou o todo vibrante candidato. Cercado de amigos, deu um abraço no cronista e o apresentou ao pessoal: “Este aqui é meu, de cabresto!”

Quando estavam sendo apuradas as urnas, Rubem Braga mandou o bilhete:
“Meu caro candidato: Você deve ter notado que na minha seção eleitoral você não teve nenhum voto. Palavra de honra que eu ia votar em você; levei sua cédula no bolso. Mas você estava tão garantido que preferi ajudar outro amigo com o meu votinho. Foi o diabo. Tenho a impressão de que os outros eleitores pensaram a mesma coisa.

Se você chegar a 300 votos, pode se consolar, que muitos outros terão muito menos do que isso. Sabe de uma coisa? Acho que esse negócio de voto secreto no fundo é uma indecência, só serve para ensinar o eleitor a mentir: a eleição é
uma grande farsa, pois se o cidadão não pode assumir a responsabilidade de seu próprio voto, de sua opinião pessoal, que porcaria de República é essa?”

“Quer saber de uma coisa com toda a franqueza? Foi melhor assim. Melhor para você. Essa nossa Câmara Municipal não era mesmo um lugar para um sujeito decente como você! É superdesmoralizada. Pense um pouco e me dará razão. Seu, de cabresto, o Rubem.”

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Vivendo, lendo e, principalmente, aprendendo com Rubem Braga.