Bendito pé esquerdo

Ontem acordei disposto a fazer tudo o que manda o manual de um perfeito torcedor. Como em todas as copas, acordei com uma cueca amarela que anualmente ganho para passar a noite de ano novo. Senti que acordei com sorte, pois um passarinho pousou no parapeito da janela. Não era nenhum canarinho, mas valeu a lembrança.

Em seguida, abri o jornal para ler a crônica de Luiz Fernando Verissimo e corri de volta para a cama, pois para o cronista a regra é clara: “Para começar, espero que você tenha saído da cama com o pé direito. Se não saiu, volte para a cama e saia com o pé certo”.

Numa estreia de Copa do Mundo, é um crime de lesa-pátria acordar com o pé esquerdo. Corrigido o ato falho, segui as instruções de Verissimo – escolado que é com o Internacional -, e também observei que a minha escova de dentes não estava alinhada com o Marco Zero de Brasília e/ou o Cruzeiro do Sul.

Corrigi a posição da escova de dentes e abri o chuveiro. “Você deveria ter prestado atenção no sabonete que usou no banho – me repreendeu o Verissimo -, ele poderia ter uma carga negativa que influenciaria todos os acontecimentos do dia, culminando com um gol contra do David Luiz. Se não fez isso, e não passou a manteiga no pão da esquerda para a direita cantando o hino nacional, anule as más vibrações e redima-se dando três voltas na mesa do café gritando Mizifun, mizifun, mizifun!”.  

Luiz Fernando não é supersticioso. Inclusive e porque acha que superstição dá azar. Eu também não creio que passar embaixo de uma escada ou de uma ponte estaiada possa chamar a fatalidade – muito menos que só o fato de escrever ou pronunciar a palavra azar desperte o Belzebu. Creio mais na teoria de que a sorte tem as suas regras e, para quem vive com os olhos bem abertos, ela não é tão cega assim. A sorte conta com a ajuda do olho vivo.

Como dizia Neném Prancha, falecido roupeiro do Botafogo, “se macumba ganhasse jogo, o Campeonato Baiano terminava empatado”. E aqui em Curitiba, onde existem tantos centros de macumbas quanto farmácias nas esquinas, a Arena da Baixada só ficou pronta em tempo porque o Neném Prancha tinha razão.

Do armário cheirando naftalina retirei da gaveta a bandeira do Tetra e, solenemente, estendi-a sobre a televisão – assim como é feito com a bandeira do Clube Atlético Paranaense em dias de jogos dados por perdidos. O que é uma rotina. Em seguida, abri a primeira cerveja com a mão direita – brindamos com a mão esquerda, com olho no olho – e guardei a tampinha da garrafa na carteira junto com uma folhinha de louro.

Com todos os sortilégios cumpridos, já estava roendo o dedão do meu pé esquerdo quando Neymar empatou o jogo com a Croácia. Luiz Fernando Verissimo tem razão: é preciso sair da cama com o pé direito. Se não sair, volte para a cama e retorne com o pé certo. O bendito pé esquerdo do Neymar.