Beco do Ribamar

Em respeito à biografia de Sarney, Curitiba deveria atender ao apelo do presidente Lula e prestar homenagem à memória do patriarca maranhense. O título de cidadão honorário é modesto, melhor seria denominar uma rua com o nome de Ribamar. Se avenida é demais para a discrição curitibana, um humilde beco seria de bom tamanho.

Curitiba guarda com reverência as palavras do presidente: “A única coisa que eu peço é que o Ministério Público tenha o direito e a obrigação de agir com o máximo de seriedade, não pensando apenas na biografia de quem está investigando, mas na biografia de quem também está sendo investigado. No Brasil, às vezes, a pessoa é condenada antes, dependendo da carga da manchete da imprensa”.
Neste momento constrangedor da ilustre carreira de José Sarney, devemos atender ao apelo do presidente para contradizer o julgamento de Nelson Rodrigues: “O brasileiro, quando não é canalha na véspera, é canalha no dia seguinte”. Em respeito ao bigode do senador, Curitiba deve batizar um de seus logradouros públicos com o nome de Ribamar. Especialmente agora, quando no Maranhão a própria família do ex-presidente se preocupa em retirar o nome de parentes e aliados de logradouros públicos. Que não são poucos, ocupam meia lista telefônica.

Em meio a tantas notícias desabonadoras, a governadora do Estado, Roseana Sarney, enviou ofício ao Tribunal de Contas solicitando a retirada de seu nome do prédio da instituição. O edifício foi construído em 2002, durante seu segundo mandato estadual. Roseana assinou o ofício com lágrimas nos olhos, por força de duas recentes decisões do Tribunal de Justiça do Maranhão, que determinaram a retirada dos nomes de políticos vivos (e ladinos) de logradouros públicos, com o argumento de desrespeito ao princípio constitucional da “impessoalidade”.

E mais: a Justiça do Maranhão mandou retirar o nome do ex-governador e atual ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, de uma avenida e de uma escola pública no centro de São Luís. Também foi determinada a retirada do nome do vice-governador, João Alberto (PMDB), do Centro de Processamento de Dados do Estado. Em abril, a Justiça já havia mandado retirar o nome de Roseana Sarney da Passarela do Samba. Na década de 90, o prédio do Tribunal Regional do Trabalho em São Luís foi batizado com o nome do senador José Sarney.

No Maranhão, o melhor do Carnaval acontece nas inaugurações de obras públicas de nome Sarney: Vila Sarney Filho, Favela Sarney Sobrinho, Ocupação Sarney Genro, Pinguela Sarney Neto, e a ponte mais famosa de São Luís, inaugurada nos anos 60s com o nome de José Sarney, com uma festa que durou sete dias e sete noites.

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“O brasileiro é um Narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Nossa tragédia é que não temos um mínimo de autoestima”, proclamava também Nelson Rodrigues (o único brasileiro que, mesmo com problemas de visão, enxergava o verso e o reverso da bandeira nacional).

Curitiba não vai cuspir na biografia de José Sarney, justo neste momento em que Lula e Dilma Rousseff agendaram uma visita de apoio ao pai de Roseana. Para compensar as perdas do Maranhão, onde a família e os afilhados estão sendo expurgados do bronze, pelo menos numa plaquinha de alumínio haveremos de perpetuar a dinastia. Se avenida não temos disponível (no momento a fila é grande), que seja um humilde beco.

O Beco do Mijo, por exemplo. Nos fundos da Catedral Metropolitana, é lá que o povo descarrega os pecados da bexiga. É pequeno, escuro como os corredores do Senado, com o cheiro do gabinete secreto onde despachava o ex-diretor Agaciel Maia, mas nem por isso deixa ser uma justa homenagem à altura da biografia ilustre: Beco do Ribamar.

Porém, para não ofender o bispo e que Deus não nos castigue, só mudaremos o apelido. O nome continua o mesmo: Travessa Padre Júlio de Campos.