Beco da Pneumonia e a Rua do Vento Encanado

Na ciência da meteorologia o clima de Curitiba é condicionado por fatores estáticos, dinâmicos e existenciais, cuja interação configura seu tipo climático. Embora a tecnologia para previsão do tempo conte com ferramentas jamais sonhadas por Flash Gordon, não há nada que desperte tanta indignação no curitibano autêntico quanto as falsas notícias divulgadas pelo Jornal Nacional sobre as ondas de frio que desabam sobre o Brasil Meridional. Já na década de 1960, escreveu o jornalista Fernando Pessoa Ferreira: “Quando os jornais informam que a temperatura caiu a 2 ou 3 graus abaixo de zero (no desonesto intuito de menosprezar a glória climatérica curitibana), os termômetros locais, prenhes de civismo, acusam pelo menos uns 2 graus abaixo. E multiplicam-se os protestos contra essa invejosa roubalheira”.

Em Curitiba o termômetro está relacionado às crises existenciais de sua população. Ao negar toda possibilidade de imortalidade, o filósofo alemão Ludwig Feuerbach resumia o homem no conhecido ditado: “O homem é aquilo que come”. Após a morte, as qualidades humanas são absorvidas pela natureza. O curitibano é isso e mais um pouco: é aquilo que come e aquilo que veste, pois até no túmulo ele leva consigo um bom agasalho para as baixas temperaturas.

Para os males do frio, entre as prescrições que a cidade guardava, uma das proibições mais severas (além de não comer melancia com leite) seria tomar sorvete com a temperatura ambiente inferior aos 28 graus. Era resfriado e dor de garganta na certa. Sorvete no inverno, só mesmo acompanhado com um copo de água na temperatura ambiente. Água gelada poderia deixar a boca torta, enquanto a pneumonia e o vento encanado matavam mais que “bala de revorve”, como dizia Adoniran Barbosa.

Lembra o professor Antônio Carlos Coelho que um ilustre rebento da terra, tendo perdido a mulher no parto, se viu sem razões para continuar vivendo. Não quis casar com a cunhada que, apesar da idade, tinha prendas suficientes para ser uma esposa sem defeitos. Preferiu a morte. Numa tarde de junho, saiu do trabalho, e foi em direção ao Beco da Pneumonia – o tenebroso trecho final da Rua Pedro Ivo. Ao chegar, o viúvo respirou fundo. Tirou o casacão, o paletó, o colete, a camisa, a galocha e as meias brancas e, por fim, a camiseta. De peito nu, recebeu o ar gelado do Beco da Pneumonia. O coitado não durou muito. Em pouco tempo, os pulmões e a febre alta o levaram para o caixão. Morreu de tristeza e pneumonia, atestou o doutor.

E na Rua do Vento Encanado, quantos lá se suicidaram? Por amor, por dívida, por honra, mágoa ou despeito, foram muitos os que tombaram perante o vento gelado que ainda hoje sopra na Rua Visconde do Rio Branco, entre as ruas Vicente Machado e Saldanha Marinho.