Barões e bilhões

Senhores das Olimpíadas de 2016, os cariocas precisam buscar inspiração em dois nobres franceses. “O importante não é vencer, mas competir. E com dignidade.” Esse era o lema do Barão de Coubertin. Outro exemplo, podemos encontrar no
Barão Haussmann, o reformador de Paris que na vida pública botou lei na privada.

Paris era uma latrina muito bem localizada. Até a metade do século XIX, tinha o aspecto e a estrutura de uma cidade medieval, com ruas estreitas de traçado irregular e sem sistema de saneamento. O penico, depois de bem usado e metade cheio, era despejado pela janela; e flanar às margens do Sena naqueles tempos de cólera era uma loteria.

Era uma favela muito pior do que qualquer uma do Rio de Janeiro, estas que hoje são vistas com ar de espanto pelos sofisticados turistas franceses. Só começaram a passar o rodo na pocilga do Sena em meados do século XIX. No livro França fin-de-siècle, o americano Eugen Weber faz uma faxina na França: “A maioria das habitações era mal construída, e o vento passava por tudo, sob as portas e janelas mal-ajustadas. Nem todos possuíam sequer velas, quanto mais lâmpadas. Para os pobres, a lareira era frequentemente a única fonte de calor e luz. Até os ricos tinham pouco aquecimento”.

Em Paris, a situação ficou um pouco melhor graças às reformas urbanas realizadas pelo Barão Haussmann, nomeado por Napoleão III como prefeito do departamento do Sena, região administrativa da capital francesa. “Prefeito biônico”, o Barão ocupou o cargo de 1853 a 1870. Mesmo assim, Paris era um chiqueirão de notável inspiração poética. Ao indicar Haussmann como alcaide, o imperador Napoleão III queria transformá-la numa cidade grandiosa, à altura do seu poder e condizente com uma França que prosperava e industrializava-se rapidamente após ter passado por décadas sendo sacudida pelas revoluções. Num dos capítulos do livro Os franceses, o escritor Ricardo Corrêa Coelho nos dá uma ligeira aula de urbanismo: “A reforma da cidade tinha por objetivo criar um novo espaço urbano, onde as condições de vida da população fossem mais salutares, com ruas mais largas, o que permitiria uma maior distância entre os prédios e melhor aeração das residências, com áreas verdes para uso coletivo e acesso à água e coleta de esgoto. Isso tudo ajudaria a evitar a ocorrência de uma nova epidemia de cólera, como a de 1832”.

Ou seja: observando-se a ironia, coube ao Barão Haussmann, no meio do século XIX, preparar Paris para duas Olimpíadas do século seguinte: a de 1900 foi um vexame, com os jogos ofuscados pela Feira Mundial. Em 1924 os atletas voltaram à capital francesa seguindo o desejo do Barão de Coubertin (queria limpar a má imagem da anterior), que revelou ao mundo um ex-raquítico chamado Johnny Weissmuller, o Tarzan, ouro de natação nos 100 e 400 metros e revezamento 4X200. Depois do feito, o Rei das Selvas foi nadar na piscina do Tio Patinhas.

A maior parte de Paris contemporânea foi construída de acordo com o plano de Haussmann, o Barão que baixou uma legislação obrigando os parisienses a construir privadas. E o projeto não foi feito no papel higiênico: sobrevivendo com seus próprios méritos aos furacões políticos, próprios dos gauleses, foram quase vinte anos no poder para regulamentar a bosta.

No Rio de Janeiro a tarefa não será tão higiênica, porque historicamente (conforme o Barão do Itararé) os políticos fazem da vida pública a continuação da privada. Assim, para a quantidade de “casinhas olímpicas” que o poder público vai ter que providenciar, sete anos é pouco. Mais que reformar o Rio, será preciso reciclar o Brasil. Até 2016, veremos, os próximos governos ainda vão ter que transformar a Casa da Moeda numa fábrica de sanitários.

Rio de Janeiro, gostamos de você! Temos orgulho de você! Porém, não maltrate tanto assim o Barão de Coubertin: o importante não é vencer, é competir. Mas tenha dó, aguardamos uma certa dignidade.