Banho de Rua

Demorou mas caiu a ficha dos moradores e comerciantes da Saldanha Marinho. Depois de décadas vendo os marginais fazendo daquela rua, que nasce na Catedral e morre no Batel, uma Via Crucis, só agora resolveram botar a boca no mundo em defesa de um dos mais singulares caminhos de Curitiba.

Há mais de sete anos este cronista escreve em defesa da Saldanha Marinho, uma rua entregue de mão beijada aos traficantes. Em abril de 2004, a nosso pedido o arquiteto Bruno de Franco botou no papel suas memórias da velha Saldanha. Naquele primeiro domingo do mês, o renomado arquiteto saiu do Seminário, onde mora, e caminhou da Catedral Basílica Menor de Nossa Senhora da Luz ao bairro chique do Batel.

Eis um trecho do relato de Bruno de Franco:

“Naquela caminhada, percebi que a Saldanha Marinho ainda guarda as características de uma rua alternativa, eclética, secreta e misteriosa. Afinal, é lá que ainda estão alguns antigos açougues, foi lá que a Batavo teve seu primeiro ponto de venda, o melhor pastel da cidade surgiu por ali. Até a Pastelaria Oriental hoje mantém uma loja perto do Kapelle. Onde estará o senhor Paco, do Prosdócimo? A vitrine da charutaria Liberty? E os pequenos jornaleiros? E os ricos colunáveis que na década de 60 moravam no Edifício Colombo? Que fim levou o cinema? O Boticário nasceu entre a Muricy e a Ébano, ao lado do antigo Ginásio, hoje a nossa Secretaria da Cultura. Presenciei o prefeito Iberê de Matos inaugurar, junto à praça Santos Dumont, um poste com uma moderna lâmpada de vapor de mercúrio, com direito a banda de música e tudo. Onde hoje está a Sinagoga era o nosso campinho de futebol. A melhor sapataria da cidade também está lá, com a Igreja de São Francisco. Hoje, provavelmente pelo aluguel barato, em função da deterioração central, um interessante mix comercial vem se instalando no local: ervas, livros e discos, sebos e brechós, vestidos de noiva, chapéus, gastronomia, oficinas mecânicas, informática, pensões para “moças e rapazes”, galerias de arte, bares e boemia, clubes GLS e muito mais. Uma adorável mistura. Este é um dos segredos para o correto planejamento urbano. O pobre e o rico, o açougue, a peixaria e uma obra de arte precisam conviver e interagir juntos. Vamos salvar a Saldanha Marinho. Ela precisa de um “Banho de Rua”. Hoje não apresenta vocação nem para o pedestre, nem para o automóvel. Vamos, na Saldanha, criar restrições para veículos. Uma ligação entre o setor histórico e a Feira de antiguidades do Batel, criando e consolidando um eixo natural de vocação comercial, residencial, religiosa, boêmia e cultural. Vamos dar um “Banho de Rua”: calçadas niveladas; paisagismo adequado; segurança; iluminação; infraestrutura tecnológica; sistema de informações; legislação atualizada, compatível e adequada, com incentivo habitacional”. (Bruno de Franco)