Bacalhau & chocolate

Dizem que brasileiro não resiste à dobradinha. Além da “dobradinha com feijão branco” (ou buchada, para muitos), estamos falando da dupla Bacalhau & Chocolate. Portanto, em se tratando de paixão, o tema é insopitável na semana da Paixão.

A dobradinha de Páscoa é tão importante, merece tanto respeito, que temos o dever de consultar os clássicos da gastronomia. Começando pelo bacalhau, o descobridor da América, com a palavra Alexandre Dumas, no seu Grande Dicionário da Culinária, obra que começou a ser escrita em 1850.

Por que “descobridor” da América? Diga mestre, Dumas: “Os bacalhaus põem seus ovos em dezembro nas costas da Espanha e na primavera nas da América. O domicílio habitual dos bacalhaus são os mares da Terra Nova, o cabo Breton, a Nova Escócia, a Nova Inglaterra, o litoral da Islândia, os mares de Dogger e das Ilhas Orcades. É particularmente na primavera que os vemos reunirem-se em blocos na forma de paralelogramas com vários metros de espessura e assustarem os que calculam a quantidade de peixes vorazes neles contidos. Temos provas insofismáveis de que a pesca do bacalhau começou a se organizar na Europa no início do século IX, pois no fim desse século encontramos peixarias estabelecidas nas costas da Noruega e da Islândia. Em 1368, Amsterdã já contava com uma peixaria de bacalhau nas costas da Suécia. Segundo o relato de Andersen, foi em 1536 que a França enviou seu primeiro barco pesqueiro para as águas geladas da Terra Nova (ilha no noroeste do Canadá). Por muito tempo julgou-se que os pioneiros haviam sido os nativos de Saint-Malo, hoje em dia admite-se terem sido os bascos, e, de fato, cerca de cem anos antes da expedição de Cristóvão Colombo, pescadores bascos em perseguição a uma baleia perceberam a grande abundância de bacalhaus no litoral da Terra Nova e fizeram sua primeira grande pescaria”.

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O bacalhau, esse descobridor da América, hoje está em extinção. Tão raro que até nos vendem cação por bacalhau. Mas no passado ele era deliciosa “praga”, como já contava Alexandre Dumas: “Em um bacalhau de grande porte, é verdade, pesando 32 kg, foram encontrados entre oito milhões e meio e nove milhões de ovos. Especulou-se que, se nenhum acidente detivesse a eclosão daqueles ovos e se todos os filhotes atingissem o tamanho da mãe, bastariam três anos para que o mar fosse tomado por eles e pudéssemos atravessar o Atlântico sobre o lombo de bacalhaus”.

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Ninguém melhor que o escritor Alexandre Dumas, com toda a sua ironia, para nos revelar por que o chocolate não é considerado um pecado no jejum da Semana Santa: “Dizem que a palavra chocolate tem sua origem em duas palavras da língua mexicana: choco, som ou barulho, e atle, água, porque o povo mexicano o bate na água para escumá-lo. As damas do Novo Mundo são loucas por chocolate. Conta-se que, não contentes em o degustarem em casa o dia inteiro, às vezes o levam para a igreja, sensualidade que lhes atraiu a censura e as críticas de seus confessores, os quais, porém, acabaram tomando o partido delas, desviando seu interesse para outras coisas, pois essas damas faziam a gentileza de lhes oferecer uma xícara de tempos em tempos, convites que não declinavam. Enfim, o reverendo padre Escobar, cuja metafísica era tão sutil quanto sua moral conformista, declarou formalmente que chocolate com água não quebrava em absoluto o jejum, proclamando, assim, em benefício de suas belas penitentes, o antigo adágio: Liquidum non fragit jejunium (O líquido não infringe o jejupm)”.

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“Per finire”: Em seu célebre livro Clássicos da mesa, o advogado, político e cozinheiro francês Jean Anthelme Brillat-Savarin (1755/1826) recomendava chocolate com âmbar para “todo o homem que tenha bebido alguns tragos a mais da taça da volúpia”. Assim sendo, muito vinho, bacalhau e chocolate nesta Páscoa.