Xenofobia é a palavra do momento, pelo menos na Europa, onde a crise econômica alinhou no mesmo pelotão de fuzilamento os nazi-fascistas, os patrulheiros de Berlusconi e os desempregados. Xenofobia, o preconceito étnico ou cultural, é uma cisma bem conhecida entre os paranaenses, desde os tempos da Quinta Comarca.

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Voltando a ler as crônicas do escritor e historiador Oney Barbosa Batista, ele nos revela que os primeiros sintomas de xenofobia no Paraná foram diagnosticados em relação à antiga magistratura, “historicamente o ramo do poder estatal mais despido de tradições regionais”. Depois vieram os governantes que, de 19 de dezembro de 1853 até a Proclamação da República, eram todos arrivistas. Nesse período, a então Província do Paraná foi governada por 29 presidentes, dos quais apenas dois eram paranaenses: João José Pedrosa e Joaquim de Almeida Faria Sobrinho.

Contra os forasteiros, diz o historiador, “a luta dos naturais jamais atingiu forma coerente e expressiva”. No entanto, a xenofobia latente dos paranaenses em relação à magistratura era considerável. Principalmente contra os juízes nordestinos que aqui pintavam o sete e ainda casavam com as mais belas moças da terra: “Consequentemente o entrelaçamento de relações de parentesco daí resultante sustava qualquer esforço de reação dos naturais que iam sendo relegados à condição
de maioria inoperante e inexpressiva nas funções públicas”.

Os nordestinos muito contribuíram para a história do Paraná. Pena que os hábitos de alguns daqueles magistrados causavam espanto entre nativos.

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Os exemplos marcaram época e eram motivos de discursos irados nas festas de Santa Felicidade. Houve um juiz nordestino, registrou Oney Barbosa Borba, que no interior do Paraná se notabilizou pelo insaciável amor ao dinheiro: “Quando a parte safada queria se locupletar com decisões da Justiça, bastava errar para mais no pagamento das custas destinadas ao juiz e instruir o oficial de justiça, que levava os autos com o dinheiro colocado nas páginas destinadas à sentença. O magistrado lia a esdrúxula pretensão, observava a conta certa e embolsava o dinheiro excessivo, sem conter o comentário:
– “Pelo que se lê, o suplicante não tem razão; mas pelo que se vê, tem!”

Em Ponta Grossa um juiz nordestino ficou mais de sete anos sem pagar aluguel da casa. Quando se aposentou e voltou para Pernambuco, o substituto conterrâneo não encontrou onde morar: os proprietários exigiam fiador. A ideia que o povo fazia de um juiz era a pior possível: caloteiro. Ou ladrão. Em Castro apareceu um magistrado de palavrório complicado que, nas horas vagas, se dedicava a surrupiar galinhas dos vizinhos. “Usava a tática simples, de ladrão vagabundo: abria a fresta na cerca, jogava milho no quintal e as galinhas passavam; ela fechava a passagem, apanhava as galinhas e torcia o pescoço. Deliciava-se o bacharel do norte em banquetear-se com galinhas do vizinho”.

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O historiador relata essas e outras falcatruas indignado também com o nepotismo, o filhotismo e o compadrio: tinha um juiz paraibano que vivia falando de sua terra, de onde viera há mais de trinta anos. “Minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá, não permita Deus que eu morra, sem que eu volte para lá”, e não mudava de assunto. Certo dia a polícia prendeu um vigarista, condenado em outra comarca.

E o que foi pior, um vigarista paraibano: “O juiz soube e ia visitá-lo com frequência. Até influiu para que o delegado deixasse o conterrâneo sair um pouco, tomar sol. Ordem do juiz, o delegado cumpriu. O malandro saía sempre escoltado, até que um dia burlou a vigilância e desapareceu. O juiz, é evidente, culpou o delegado”.

***

Ao contrário da Europa, a xenofobia não mais viceja no Paraná. Nosso nativismo é democrático, aqui é uma terra de todas as gentes. Só temos alguma cisma com gremistas, colorados, flamenguistas, são-paulinos, palmeirenses e corintianos.
E catarinas, é claro.