Habituado a descobrir o caminho das pedras em percursos movediços, Luis Fernando Verissimo lembrou de Moacyr Scliar para analisar o conflito entre israelenses e palestinos: “Escritor, judeu, laico e homem de esquerda, entusiasmado pela experiência social que transcorria em Israel, mas preocupado com os efeitos da radicalização no seu futuro, pregava menos explosão e mais moderação no Oriente Médio. Foi chamado de antissemita”.

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Lendo o fascinante livro “A Dama Dourada” (Retrato de Adele Bloch- Bauer), a extraordinária história da obra-prima de Gustav Klimt, lá pelas tantas páginas a autora Anne-Marie O’Connor nos conta que um dos mais célebres escritores a denunciar o antissemitismo foi o escritor norte-americano Mark Twain.

Autor de “O Príncipe e o Mendigo”, entre outras grandes obras, Twain foi morar na Áustria em setembro de 1897. Antes de chegar a Viena para se recuperar do falecimento de sua amada filha Susy, vítima da meningite aos 24 anos, o escritor já era um defensor dos judeus, a ponto de escrever uma semana após a sua chegada à Europa: “A diferença cerebral entre a média dos cristãos e a média dos judeus corresponde à diferença entre um girino e um arcebispo”.

A temporada de Mark Twain em Viena foi um acontecimento. A cidade estava de olho em cada movimento do homem a quem a imprensa se referia como o “nosso famoso hóspede”. E não eram poucos a acompanhar os seus passos: “Naquele tempo, habitada por 1,7 milhão de pessoas, Viena tinha 45 jornais, um bom número de periódicos dedicados à cultura e 12 revistas de humor”. Os encontros de Twain com a sociedade vienense eram jornalisticamente registrados por Stefan Zweig e um outro escritor que, depois de publicar vários livros sobre sexualidade e prostituição de adolescentes, se tornaria famoso como o autor de “Bambi”, o clássico da literatura para crianças.

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Sempre que se encontrava com representantes da alta sociedade de Viena – então o ninho da serpente nazista -, Mark Twain esforçava-se para entender o antissemitismo que se manifestava na metrópole austríaca. Num ensaio que escreveu para a revista “Harper’s”, em setembro de 1899, Twain questionava: “Por que os judeus sempre foram, e ainda são, nesta era da inteligência, alvo de animosidades ferozes e desprovidas de base? Eu ousaria dizer que, como classe, há séculos não existe ninguém mais tranquilo, nem cidadãos mais comportados do que esses mesmos judeus. Será que algum dia isso terminará? Será permitido aos judeus viverem honestamente, decentemente e pacificamente, como o resto da humanidade?”.

Mark Twain morreu em abril de 1910 sem a resposta; Moacyr Scliar se foi em 2011, sem dizer quando tudo vai terminar; Luis Fernando Verissimo arrisca um palpite; e este humilde cronista, confortavelmente à distância, só tem a dizer que o buraco (o túnel entre a Palestina e Israel) é mais embaixo.

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