As burras e as mulas do governo

Principalmente em temporadas de caça ao eleitor, muito se promete com a intenção de assaltar “burras do governo”. Assim como hoje os cofres do governo são arrombados com meia dúzia de assinaturas, houve um tempo em que esses assaltos rendiam muita mão de obra.

Como no caso do “Assalto ao mulo pagador”, episódio contado na obra do falecido historiador Nilson Thomé, um dos criadores da Universidade de Caçador (SC).

Para situar a ação, o assalto aconteceu depois que o Governo Imperial começou a construção, em 1890, da Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, com a intenção de fixar imigrantes nas terras devolutas dos campos do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Nos 20 anos da construção da Estrada de Ferro Norte-Sul, uma série de escândalos administrativos e financeiros gerou uma significativa leitura da sigla EFSPRG: “Estrada Feita Só Para Roubar o Governo”.

A construção do trecho catarinense da estrada de ferro sacudiu os hábitos e os costumes do Brasil Meridional, com a presença de 8 mil trabalhadores braçais, oriundos do Rio de Janeiro, de Pernambuco, da Bahia, de São Paulo, recrutados inclusive em portos e em prisões. Na região corria muito dinheiro, inclusive cédulas de 500 mil réis até então desconhecidas pelos moradores das barrancas do Rio do Peixe. Com dinheiro farto e descanso semanal (o que não ocorria no tempo dos escravos) apareceram as bebedeiras, a prostituição e os assaltos. As noites nos acampamentos eram de farras desenfreadas. O pior acontecia nos primeiros dias de pagamento, quando eram frequentes os roubos e os assassinatos, com os cadáveres boiando em águas barrentas, ou sepultados embaixo dos trilhos.

Como conta Nílson Thomé, aquela estrada de ferro foi construída pelo sistema de “empreitada”, hoje conhecido como “terceirização”, quando um certo Zeca Vacariano contratou dois trechos de trilhos. Ao terminar a obra – sem por em dia os salários em atraso – o empreiteiro inadimplente associou-se então a outros comparsas e armou um assalto aos funcionários da EFSPRG que a cada final de mês percorriam os trechos em construção para efetuar os pagamentos dos trabalhadores. Escondidos na floresta, winchester em punho, os membros da quadrilha esperaram a passagem do mulo pagador.

Na tocaia, os assaltantes mataram dois, feriram o mulo pagador e levaram 360 contos. Um dinheiro sem tamanho. Mais de 15% da arrecadação do Tesouro do Estado, em 1910. Tropas federais e estaduais, bem como o corpo de segurança da empresa construtora, vasculharam a região para caçar Zeca Vacariano e os 360 contos. Não recuperam um tostão furado.

O golpe gerou um atraso de dois meses na conclusão da estrada, bem assim como acontece hoje. Só que atualmente empreiteiros como Zeca Vacariano não recorrem mais ao mulo pagador. Com obras superfaturadas, distribuem dinheiro de plástico aos peões.