No tempo em que o Flamengo ganhava do Vasco, Jaime Lerner foi convidado a mexer no sistema de transporte coletivo do Rio de Janeiro. Entre outras curitibanices, abriu uma linha ligeirinha entre a Zona Norte e a Zona Sul, desembarcando os conflitos sociais diretamente nas praias de Ipanema e Leblon.

continua após a publicidade

Em dezembro de 1984, o jornalista Aramis Millarch revelou em sua coluna Tabloide, no jornal O Estado do Paraná, o que dividia os cariocas:

********
Uma das inovações no transporte do Rio de Janeiro trazidas pelo projeto do arquiteto Jaime Lerner ganhou destaque na imprensa nacional, de uma forma curiosa: a invasão da Zona Norte na outrora sofisticada praia de Ipanema. xxx Tudo começou com a nova linha de ônibus São Cristóvão-Ipanema, que estaria trazendo para o bairro uma faixa de população que normalmente não frequenta a Zona Sul. A revista IstoÉ, destacando o fato, lembrou que “sob o tradicional brilho do bairro existe uma clara revolta contra a presença crescente de farofeiros na praia, trazidos pela nova linha que reduziu o tempo de viagem entre o bairro da Zona Norte ao do Sul em até uma hora e vinte minutos”. xxx Lerner vê a polêmica com bom humor e tranquilidade – e tem boas estatísticas para esfriar as discussões. – “Apenas 12 mil passageiros utilizam a linha por dia útil, sendo que nos finais de semana esse número cai para 6 mil – o que mostra que, considerando ida e volta, apenas 3 mil moradores da Zona Norte procuram o sol de Ipanema em termos de recreação”. xxx O melhor argumento, entretanto, Jaime ouviu de uma arrumadeira do apart-hotel, em que reside no Rio de Janeiro: -”Boa, doutor! Afinal, os ricos vão para as nossas escolas de samba, na Zona Norte, e ninguém reclama. Por isto, agora temos também nossa vez em Ipanema”.

********

continua após a publicidade

Não é de surpreender se alguns cariocas ainda acharem que os arrastões começaram com Jaime Lerner. De olho nas Olimpíadas e na repercussão internacional, agora a polícia passa em revista os passageiros dos ônibus que saem dos subúrbios em direção às praias e são detidos os que não têm dinheiro na carteira.

No Paraná, Lerner foi responsável por muitas coisas: do pedágio à venda do Banestado; da Cidade Industrial à vinda da Renault. Inclusive pela preservação do Centro Histórico de Curitiba. Só falta ser ele também o culpado pela invasão da periferia no Largo da Ordem e pelos arrastões policiais na Rua São Francisco.

continua após a publicidade