Aquele piano branco

A história é real, com dois personagens pertencentes à imaginação. Um casal curitibano foi passar o Carnaval no Rio de Janeiro. Ou seja, o mês de fevereiro inteiro, porque o melhor da folia carioca são os blocos que antecedem as tradicionais Escolas de Samba. O casal é nosso velho conhecido: Estalactite e Estalagmite. A Tite e o Mite.

Estalactite é para baixo, Estalagmite é para cima. Foram feitos um para o outro. Um para baixo, outro para cima, todo ano é a mesma coisa. Termina janeiro e Tite e Mite ainda não decidiram se ficam ou não ficam em Curitiba. Fico ou não fico, é uma velha polêmica curitibana que não afeta apenas o relacionamento do casal. Nessa época, Curitiba racha entre os que ficam e os que não ficam. Nos últimos 20 anos, os que não ficam estão vencendo, abrindo grandes vantagens estatísticas sobre os que se rendem ao sossego.

Naquele verão, Tite e Mite foram surpreendidos com um convite irrecusável:

– Mite, você não sabe da maior. Através de uma amiga aí de Curitiba que trabalha no jornal O Globo, conheci o Paulinho. Gente finíssima, ele me emprestou a casa da família por três meses. É uma mansão dos sonhos no Jardim Botânico, bem embaixo do Sovaco do Cristo.

– Como assim, emprestou? Você não mora no Flamengo? 

– Morava. Tive que entregar o apartamento. Foi quando conheci o Paulinho, que está passando uma temporada com o pai em Nova York. A casa é um castelo na Mata Atlântica. E como se não bastasse o canto dos passarinhos, na sala com vista para a floresta tem um piano maravilhoso. Coisa de cinema. Vocês vêm? 

– Bem, Glorinha, depende do Tite. Sabe como ele é, assim pra baixo…

– Diz pra esse pré-histórico que aqui da vizinhança o bloco “Suvaco do Cristo” junta uma porção de gente amiga. É botar camisa listrada e sair por aí.

Um para baixo, outro para cima, Estalactite e Estalagmite foram para o Jardim Botânico, tendo um piano com vista para as divinas axilas do Cristo Redentor.

Uma semana depois do Carnaval, Tite e Mite estavam ainda no Rio de Janeiro tratando das perdas e danos físicos, quando numa bela manhã soa insistentemente a campainha. Estalagmite foi atender. Era um senhor de cabelos longos, de chapéu branco, muito charmoso, conhecido de algum lugar:

– Bom-dia! Desculpa incomodar, mas eu vim buscar o meu piano! 

Era o próprio Tom Jobim, dono da casa e pai do Paulinho. Em seguida, entraram os carregadores e lá se foi o piano com o maestro orquestrando o resgate. 

Tom Jobim começou a escrever o poema “Chapadão” quando escolheu o terreno no alto do Jardim Botânico para construir a casa, que levou quatro anos para ficar pronta e o poema, oito: “Vou fazer a minha casa / No alto do chapadão / Vou levar o meu piano / Que ficou no Canecão”.