Aos distintos democratas

“Num botequim que se preze, o contraditório é a moeda corrente. Unanimidade é um bar vazio. Como discutir política e futebol, se no recinto todos defendem as mesmas ideologias, bandeira e cores? Boteco de esquerda ou de direita só é admissível do ponto de vista de quem sobe ou desce a rua. Se de esquina, melhor ainda, acolhe vários pontos de vista. Se todos falassem a mesma língua não seria um bar, seria um tédio” (Do “Botecário”, meu Dicionário Internacional de Boteco).

Foi pensando na democracia e na civilidade que o Bar Ao Distinto Cavalheiro enviou um texto aos seus amigos e fregueses, que espelha a postura daquele boteco de esquina diante da atual conjuntura.

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O PT é um partido corrupto? É. E isso quer dizer que todo mundo do PT é corrupto? Não. O PSDB é um partido idôneo? Não. Quer dizer que lá tem corrupto também? Sim. Isso permite ao PT ser corrupto? Não, obviamente. A imprensa em geral tem mais boa vontade com governos do PSDB? Aparentemente, sim. Isso quer dizer que há um complô de toda a mídia contra o PT? Não. Tem coisas que foram feitas no Governo FHC que foram ruins? Sim. E essas coisas prejudicam nossas vidas até hoje? Talvez. Isso permite ao PT jogar toda a culpa dos seus desmandos no governo anterior? Claro que não. Mas isso quer dizer que os Governos do PT (incluindo Lula) só fizeram coisas ruins? Não. Fizeram mesmo uma parcela significativa da sociedade sair da miséria? Sim. Isso quer dizer que ajudaram a melhorar o país? Neste aspecto, sim. E isso não é implantação do comunismo? Obviamente não. Mas esquerdista não é comunista? A maioria não. Mas o governo do PT não se beneficiou do legado econômico de FHC? Em grande parte, sim. Mas eles tiveram seus próprios méritos na economia? Tiveram, também. Isso quer dizer que as coisas estão boas no Brasil? Não. De modo algum. O país está enfrentando uma grave crise ética, moral e econômica? Está. Qual a responsabilidade do PT sobre esta crise? Total. Da Dilma? Total. Do Congresso, do Senado? Total também. Quer dizer que todos os políticos e partidos tem uma parcela de culpa sobre a situação em que nos encontramos? Sim. E o povo? Também. Mas a responsabilidade do PT, que comanda o país há mais de uma década, é maior do que a dos outros partidos? Sim. Isso, por si só, legitima um impeachment? Não. Mas não há milhões sendo governados por alguém que não gostam e que não votaram? Sim. E Isso não caracteriza uma ditadura? Não. Mas permite que uma parcela significativa da sociedade esteja muito insatisfeita? Claro. E essas pessoas que estão insatisfeitas podem protestar? Sim. Mesmo as que têm varanda gourmet? Sim. E isso, por isso só, caracteriza uma luta de classes? Não. Significa que classes menos favorecidas da sociedade estão felizes com o atual governo? Também não. Então os pobres deixarão de votar no PT? Não necessariamente. E há risco do PT ainda se eleger para cargos importantes? Talvez sim. Talvez não. Mas nesse caso uma ditadura não seria melhor para a democracia? Certamente não. Então é lícito discordar dos protestos? Sim. E isso não me torna um ladrão, corrupto, “petralha” ou comunista? Só por isso, não. Mas posso também protestar? Sim. E isso não me torna um reacionário, coxinha, “tucanalha” ou fascista? Só por isso, não. E posso protestar usando palavrões, misoginia, xenofobia e preconceitos? Poder, até pode. Mas isso revelaria mais o seu nível do que a vida do acusado.

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Você precisa concordar com todos estes argumentos? Não. Isso quer dizer que nós nos odiamos? Não. Talvez estejamos buscando caminhos diferentes para tentar ajudar a solucionar os problemas da nossa tão querida pátria. Apenas isso.

(O texto é uma adaptação do original de Roberto Motomatsu & Romolo Megda)