O brasileiro não vota. Compulsoriamente, vai às urnas assinar um cheque em branco aos eleitos, que assumem com um cheque ao portador, a ser descontado quando e onde quiser. Depois de bem instalados no palácio, nós, eleitores, não somos convidados para o banquete, não escolhemos o cardápio, mas somos obrigados a cobrir a conta.

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Não é o caso, evidentemente, do governador José Roberto Arruda, que pelo visto não gosta de cheque. Prefere o dele em dinheiro vivo. O cheque em branco ele usa para pagar as custas de sua defesa, como se todo o aparato público do Distrito Federal estivesse à disposição para provar sua inocência.

No Paraná, quem vai preencher um cheque em branco no final do mandato é o governador Roberto Requião, confere a jornalista Ana Ehlert nos jornais da ADI-PR, Associação dos Jornais Diários do Interior do Paraná. É um cheque voador, é verdade, mas ele tem efeito bumerangue: voltará a cair nas mãos do próximo governador, ou outro mais adiante. Segundo contabilizou Ana Ehlert, “Roberto Requião de Mello e Silva é citado em pelo menos 369 processos judiciais que tramitam em várias esferas estaduais e federais. A estimativa é que essas ações gerem indenizações e dívidas superiores a R$ 1 bilhão – valor apontado como a herança de Requião ao povo paranaense que, nas urnas, confiou a ele três mandatos de governador (três cheques em branco, digo eu), sendo os dois últimos consecutivos. Só em honorários advocatícios, escritórios particulares calculam que as defesas de Requião fiquem em torno de R$ 16 milhões. Entre as dívidas milionárias estão precatórios de servidores do judiciário estadual e há dezenas de ações das concessionárias de rodovias e do banco Itaú. Tem ainda processos movidos por pessoas que se sentiram ofendidas ou agredidas pelos discursos do governador e pelo Ministério Público pelo uso indevido da TV Educativa”.

Não temos como reclamar do cheque sem fundos que será repassado ao vice, Orlando Pessuti. Assinamos embaixo e o atual governador vai preenchê-lo com a quantia que melhor aprouver a ele e seus amestrados companheiros. Abençoados sejam, e que Sua Excelência faça bom proveito da pouca tinta que ainda lhe resta na caneta.

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A história ensina, Deus nos livre do cheque em branco. Mesmo sendo ele de boas intenções. Já contei aqui a história de Alexis Eisner, o russo que recebeu um cheque em branco do escritor Ernest Hemingway. Foi quase no fim da Guerra Civil Espanhola, quando tudo já parecia perdido para os republicanos adversários do generalíssimo Franco. Alexis Eisner vinha caminhando por uma rua de Valência. Hemingway vinha em direção contrária. Se abraçaram. O escritor americano fez um comentário sobre as batalhas: “A morte está mal organizada na guerra”. Alexis perguntou sobre os projetos futuros: “Regresso para a América, mas não sei se voltarei à Espanha”, comentou o autor de Adeus às armas, completando: “Vem me ver. Estou casado com uma milionária. Tenho uma casa na Flórida”. Em seguida, Hemingway tirou o talão de cheque do bolso e estendeu um a Alexis Eisner, e assinou, mas não escreveu nenhuma quantia. Era um cheque em branco dirigido ao Banco Francês de Paris. No verso, Ernest colocou seu endereço na Flórida, guardou o talão de cheques no bolso e se despediu: “Adeus, amigo, boa sorte!”. Melhor seria para Alexis Eisner se não tivesse recebido este cheque em branco, que nunca utilizou, embora tenha precisado de dinheiro. Alexis regressou à União Soviética em janeiro de 1940. Quatro meses depois, entrou na lista negra de Stalin e seus generais. Sem nenhum motivo. Acharam o motivo quando a casa de Alexis Eisner foi revistada e a polícia de Beria, o lugar-tenente de Stalin, encontrou o cheque em branco assinado por Ernest Hemingway. Um cheque em branco assinado por um estrangeiro capitalista e nunca descontado. Mandaram Alexis Eisner para a Sibéria.

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