(De Paraty) – Na noite de abertura da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), o cartunista Jaguar terminou dizendo que Millôr Fernandes (“Negligenciado por ser bem humorado”, segundo o crítico de arte Agnaldo Farias) foi o maior em tudo: “O maior cartunista, o maior tradutor, o maior humorista, só não foi o maior poeta do Brasil porque era inteligente demais para ser poeta”.

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Se Paulo Leminski estivesse presente, o entrevero seria dos grandes!

Das memoráveis lembranças do polaco poeta, guardo uma entrevista realizada em outubro de 1982 no saudoso restaurante Hummel-Hummel, o primeiro alemão do Largo da Ordem. Em quatro páginas do tabloide “Fim de Semana”, Paulo Leminski nos concedeu um raro resumo do intelectual “engajado no difícil” (pela primeira vez assim se definiu) e nos relatou (num só fôlego e sem nenhum parágrafo) a saborosa história de um polêmico encontro com artistas de vanguarda realizado em São Paulo, promovido pela revista IstoÉ.

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O polaco não era fácil, como veremos a seguir.

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Paulo Leminski – Cheguei lá imbuído dos melhores propósitos, preparado, embalado com mísseis balísticos intercontinentais, Exocet, pô, de São Paulo para o Rio há aquele prestígio que eu conheço. Bom, chego lá, numa mesa tem uma “starlet” da Globo, mais aquele cara que fez “Jânio Quadros em 24 quadros”. E uma guria, que parecia mais uma modelo de revistinha de sacanagem, e um garotinho bonitinho que sempre estava mexendo com as mãos. Bom, e o Arrigo Barnabé, amigo meu, e já sentei ao seu lado. Curitiba e Londrina, Jaime Lerner e José Richa, sabe como é. Já fizemos aquela comunidade de cotovelo ali, né? Estávamos lá para discutir os caminhos da nova arte brasileira nos anos 80 em direção ao ano 2000. Isso é barra pesada, sabe como é? Aí começou um festival de besteira que não dava mais. Aí uma daquelas starlets começa: “Minha opinião é a seguinte: sabe, eu comecei como modelo fotográfico e daí fui convidada para trabalhar numa novela das 6. Porque, sabem, existe um certo preconceito quanto ao consumo, mas eu acho…”. Pô, eu comecei a me putear. Passou-se para o outro e seguiu-se a bobajada, tinha-se que aguentar 30 minutos de besteiras… Bom, perdi a paciência! Levantei, bati a mão na mesa e fui buscar mais uma birita lá no balcão. A guria uma hora me puxou num canto e disse: “Isso aqui não é um happening. Estou aqui trabalhando e você acabando com o meu trabalho”. Disse: “Tá bom, vou voltar!”. Mas ela me deixou as marcas da unha na mão. Foram quatro horas de gravação e estenografia! É como diz o Mick Jagger: “O que interessa o que dizem de mim na página 46, se estou na capa?”. Eu fiz uma intervenção, tive uma performance, coisa inclusive banal em qualquer Bienal hoje. Uma hora me levantei e disse:

-Em qualquer bar de Curitiba, numa sexta-feira, às 9 da noite, o nível é bem mais alto do que nessa mesa!