“O vinho alegra o coração do homem” (Salmos, 104, 15).

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Não está na Bíblia, nem no gibi, uma lição exemplar de educação alcoólica. Reza o ensinamento popular que toda criatura de Deus tem dentro do próprio corpo um sistema que acomoda os humores etílicos.

No lar ou no bar, o homem carrega 11 diabinhos no porão e uma mesa com dez cadeiras no cérebro. Na primeira dose, um dos diabinhos sobe ao cérebro e senta numa das cadeiras. Na segunda dose, o segundo diabinho sobe por uma escadinha e se acomoda na segunda cadeirinha:

– Garçom, mais uma!

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E lá vai outro diabinho ocupar a terceira cadeirinha da mesa.

Cada dose sobe um diabinho, na décima primeira dose o último dos diabinhos chega ao cérebro e não encontra cadeira para sentar. Todas já estão ocupadas: uma mesa, 11 diabinhos, dez cadeiras. Pouca cadeira para muito diabinho e a confusão está formada. O diabinho sem cadeira dá um chega pra lá num dos diabinhos sentados, com uma cadeirada outro diabinho sai em defesa do amigo e voam cadeiras no sótão.

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Além dos diabinhos brigando entre eles, os bêbados e boêmios têm atrás de si um anjo (ou seria um demônio) que os protege. A hipótese tem fundamento, considerando-se dois acidentes verídicos ocorridos quase na mesma hora, em dois locais bem diferentes quanto às finalidades, vizinhos de meia quadra.

No bar da esquina da Saldanha Marinho com Visconde do Rio Branco, depois de um dia de trabalho, o camarada foi fazer aperitivo sem botar uma migalha no estômago. A soma de meia dúzia de chopes com meia dúzia de steinhaeger fez um bom estrago. De repente, o boteco girou e o sujeito caiu duro para trás ao ser nocauteado pelo steinhaeger.

Foi tudo muito rápido. Quando os circunstantes olharam para o corpo estendido no chão, uma assustadora bolha de sangue se formava junto à cabeça. Levado ao hospital, graças ao anjo (ou demônio) protetor dos bêbados e boêmios o infeliz voltou a trabalhar dois dias depois. Tão assustador quanto o sangue derramado foi o baque surdo do crânio batendo no piso cerâmico.

Enquanto isso, numa casa vizinha dedicada ao lenocínio, um alto funcionário do Judiciário comemorava qualquer coisa entre amigos, na companhia de alegres funcionárias do camuflado lupanar. Quase no mesmo momento da queda no bar da esquina, o festeiro ergueu um brinde ao Judiciário, pediu licença e foi ao banheiro.

Não chegou a ir. No meio do caminho, escorregou e também foi nocauteado pelo steinhaeger. Os amigos correram para acudir, o gerente chamou a ambulância e o infeliz, graças ao anjo (ou demônio) protetor dos bêbados e boêmios, ainda acordou a tempo para um apelo, antes de ser levado ao hospital:

– Avisem a minha mulher! Mas digam que o acidente aconteceu ali no boteco da esquina!

No dia seguinte, desconfiada da história mal contada, a mulher do alto funcionário do Judiciário foi ao bar da esquina em busca da verdade:

– É verdade que ontem à noite um freguês se acidentou aqui dentro do bar?

O garçom apontou para o assoalho e levou a mão à cabeça. Como se ele ainda estivesse ouvindo o baque do crânio batendo naquele piso xadrez preto e branco:

– Impressionante! O sujeito estava bebendo no balcão tomando o seu chopinho, caiu pra trás e arrebentou a cabeça!

Ninguém acredita em anjos (ou demônios) que protegem bêbados e maridos infiéis. Mas – assim como as bruxas – que eles existem, existem!

(Do livro “O diabo ataca no varejo”, que acaba de ser lançado no tradicional Bar Stuart. Por apenas 35 reais, pode ser encontrado nas Livrarias Curitiba e nos cinco endereços do Supermercado Festval)