Amnésias do Kapelle (2)

Desde julho de 1974 prestando bons serviços à boemia curitibana, primeiro na Barão do Serro Azul e depois na Rua Saldanha Marinho, 670, onde resiste bravamente às hordas de distribuidores de crack do Centro Histórico, o bar Kapelle é um ponto de referência musical em Curitiba, tanto para quem chega quanto para quem vai. E ainda é uma “capela” (Kapelle, em alemão) onde os perdidos na noite encontram abrigo e conforto.

Na edição de ontem recuperamos um pouco da “memória etílica” da cidade com algumas fotos do Kapelle que estavam guardadas em Lagoa Vermelha (RS), onde nasceu o garçom Anésio Silva, que por mais de uma década atendia sozinho na Barão do Serro Azul. Só faltou contar algumas histórias daquele reduto de artistas, intelectuais e outras aves raras.

Numa delas, no inverno de 1983, o então prefeito Maurício Fruet abriu a porta do Kapelle da Barão do Serro Azul e disparou em alto e bom som.

– Todo lernista é viado!

Bateu a porta, olhou em torno, e percorreu o corredor ao encontro de alguns amigos que o aguardavam na primeira mesa à direita junto ao balcão. Silêncio no bar.

Maurício Fruet, deputado federal, tinha sido nomeado prefeito poucos meses antes, para cumprir um mandato tampão de três anos, na sequência de Jaime Lerner.

Com o bar ainda em silêncio (não havia como desconhecer aquele tipo alto e forte, de longos bigodes), Maurício se acomodou junto aos jornalistas, com quem tinha marcado um encontro, e pediu um chope escuro escoltado de steinhaeger para voltar à provocação:

– E tem mais: quem for amiguinho do Jaime Lerner que se levante! E o viadinho que venha se sentar aqui no meu colo!

Para quem chegasse naquele exato momento, seria preciso explicar: Fruet era o PMDB no poder com a redemocratização; Lerner vinha de dois mandatos nomeados, mas com uma popularidade que a ditadura nem ousara sonhar.

Maurício fez tamanha provocação porque sabia onde estava pisando, e sabia da popularidade de Lerner. O novo prefeito só não ousava sonhar que na mesa ali ao lado, um outro provocador também se encontrava: o artista plástico Rogério Dias se levantou e, para a perplexidade de todos, sentou-se no colo do novo prefeito. Isso como se fosse uma cena muda de Charles Chaplin, fechando o ato com o bar se esbaldando de tanto rir.

Se Maurício Fruet não conhecia quem pegou no colo, ficou sabendo. E se a freguesia do Kapelle desconhecia o espírito do novo alcaide, nunca mais ninguém haveria de esquecer aquela surpreendente e agradável noite de apresentações.

Esta é uma das histórias exemplares do Bar Kapelle, o bom abrigo de Silmara (Mara) Rocha e do garçom Anésio – que com o bar lotado era chamado de “Amnésio”.