Eu não gosto e procuro evitar a primeira pessoa do singular. Mas tem momentos em que isso é necessário. Eu não tenho saudades da Curitiba perdida. Tenho saudade, isto sim, dos amigos perdidos. Tenho saudades de Manoel Carlos Karam. O teatrólogo que escreveu esta frase: “Tenho saudades, isto sim, saudades do futuro”.

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Já cheios de saudades, ontem nos despedimos do jornalista Renato Schaitza. Nosso guia, nosso amigo, nosso padrinho de casamento. Quando nos casamos, em março 1983, Maí e eu fomos passar uma lua-de-mel na Itália, sem data para voltar. O dinheiro era pouco (reunido com poupança e o fundo de garantia de nossos empregos), mas contamos com um apartamento de cobertura cedido por um parente, na Viale Montecatini, 2, Romano di Lombardia, “paese” encostado a Milão.

Ficamos três meses perambulando pela Europa, até o dinheiro quase acabar. Na volta, com mil dólares restantes compramos uma cozinha para o apartamento, um colchão e ficamos assim nos equilibrando, desempregados, almoçando na mesa de meus sogros.

Quando a água bateu no pescoço, bateu o telefone. Era o padrinho.

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– Tenho um emprego para você, de redator!

– Renato, desculpa, mas quem escreve aqui em casa é a Maí. Eu continuo sendo um desenhista.

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– Você será redator, o salário é bom, o triplo do piso salarial de jornalista: basta acordar às quatro da manhã e escrever duas laudas diárias para o programa de rádio matutino do deputado Erondy Silvério.

– Mas Renato…

– Começa amanhã!

Renato Schaitza era mais que um padrinho, era o amigo para qualquer hora: não fui o primeiro, muitos jornalistas na rua da amargura foram socorridos por ele, quase sempre através do programa de rádio de Erondy Silvério.

Mais que padrinho, mais que amigo leal, Renato Schaitza foi um dos maiores jornalistas que o Paraná conheceu, com o texto mais elegante. Tanto no jornal quanto na televisão, onde criou
o Show de Jornal, um programa jornalístico até hoje nunca suplantado, proporcionalmente, em audiência.

Ah, o Renatinho do cotidiano: em família, no Bar Botafogo, onde fosse era um gentleman. Elegante até de bermuda e chinelo, a única vez que presenciei um destempero de Renatinho foi com o jornalista Aramis Millarch. Depois que deu um tempo às lides jornalísticas, o marido da doce Dione (tradutora juramentada de inglês) criou uma agência de publicidade. “Pequeña pero cumplidora” (depois passada para Jamil Snege), a Beta Propaganda não deixou Renato Shaitza milionário. Ao contrário do que muitos imaginavam, principalmente o de vez em quando ficcionista Aramis Millarch, também nosso padrinho de casamento.

Sabendo que Renatinho adorava pescar, sempre com Jamur Júnior no leme, Aramis escreveu em sua concorrida coluna tablóide mais ou menos o seguinte:

– Depois de abocanhar uma das cobiçadas contas publicitárias do Paraná, o competente e já milionário Renato Schaitza acaba de adquirir uma luxuosa lancha de 40 pés para suas frequentes pescarias com o radialista e homem de televisão Jamur Júnior.

Renatinho (que com Dione preparava um muqueca para capixaba nenhum botar defeito) destemperou-se. Aramis quis fazer graça com o amigo, só que a Receita Federal não achou a informação assim tão hilária. Veramente, Renato tinha uma velha e humilde lanchinha de alumínio, de não causar nenhuma inveja aos pescadores da Baía de Paranaguá. Só eram invejáveis os robalos a bordo.

Caloroso curitibano, o frio não lhe dizia bem. Ao longo dos mais de 20 anos que resistiu bravamente a um câncer, Renato Shaitza tinha uma rotina que, não fossem as circunstâncias, todo curitibano pede a Deus: nos meses de frio, escolhia um apart-hotel no nordeste para morar: Alagoas, Pernambuco, Bahia, onde estivesse o amigo Sol. E, quando se despedia do calor, o Sol respondia resplandecente:

– Tem nada que agradecer: amigo é para essas coisas!

O Sol sabia o amigo que tínhamos. E o Renato seguia à risca a máxima da nossa poetisa Helena Kolody: “Para quem viaja ao encontro do sol é sempre madrugada”.