Apesar dos pesares, apesar da recaída do Supremo Tribunal Federal, apesar do voto do juiz Celso de Mello, é preciso não esquecer que ainda há juízes no Brasil. Ou, como se conta em todas as línguas do planeta, “ainda há juízes em Berlim”.

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A expressão “ainda existem juízes em Berlim” vem de um episódio ocorrido no século XVIII, descrito em versos pelo escritor francês François Andriex (1759-1833) no conto “O Moleiro de Sans-Souci”. Frederico II, “o Grande”, rei da Prússia, era um “déspota esclarecido” de inteligência superior e de extremo bom gosto. Exímio estrategista militar, amigo de Voltaire e amante das artes, resolveu construir um palácio de verão em Potsdam, próximo a Berlim.

Também com pendores de arquiteto, Frederico escolheu a dedo o local: a encosta de uma colina, onde já se elevava um moinho de vento, o Moinho de Sans-Souci. Como estava em tempo de paz, resolveu chamar seu palácio também de Sans-Souci, que significa “sem preocupação”.

Alguns anos depois, Sua Majestade resolveu fazer um “puxadinho” no seu castelo. Porém, incomodado pelo moinho que o impedia de ampliar uma ala, decidiu comprar o estorvo e não foi atendido: o moleiro recusou, argumentando que não poderia vender sua casa, onde seu pai havia falecido e seus filhos haveriam de nascer. Frederico insistiu, ameaçando usar de seu poder para, simplesmente, lhe tomar a propriedade.

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Perante a força, foi então que o moleiro teria dito a célebre frase: “Ainda há juízes em Berlim!”

Diante da inacreditável disposição do simples moleiro em combater o próprio rei na Justiça, Frederico II decidiu alterar seus planos, deixando o moinho e o moleiro em paz. Naquele tempo não existiam “embargos infringentes”, em favor dos bacanas.

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François Andriex concluiu o conto de forma melancólica, ao observar que o recuo do rei diante de um insignificante moleiro acabou prejudicando a própria província. Mesmo assim, o episódio passou para a história como um símbolo da independência da Justiça. Para o moleiro, a Justiça seria cega, não distinguindo diferenças sociais. A corajosa resposta e o recuo do rei passaram a ser lembrados para exemplificar situações em que o Judiciário deve limitar o poder absoluto dos governantes.

Os moleiros e os moinhos de Sans-Souci sempre vão existir. Assim como sempre vão existir juízes de Berlim. Juízes com independência suficiente para olhar com firmeza as majestades.

O juiz Celso de Mello embargou o clamor da nação. Mas nem tudo está perdido. Ainda há juízes em Brasília.