Ai de ti, Ilha do Mel (2)

Cercada de iniquidades por todos os lados, a Ilha do Mel não é apenas a pérola rara do nosso litoral: faz parte do patrimônio afetivo do Paraná. As Encantadas uniram casais que ganharam filhos, netos e bisnetos, e que agora assistem à ilha do coração sendo afundada nas misérias alheias.

Ai de ti (ou ao bem de ti), Ilha do Mel, os deputados aprovaram, em primeira discussão, um projeto que está tirando nativos e forasteiros da dormência.

Os donos de imóveis caíram da rede, assustados. Os ambientalistas acordaram. Dos quesitos mais polêmicos em estudo, um deles diz que para se desfazer de um imóvel na Ilha do Mel o proprietário só terá a opção de transferência a herdeiros legítimos. Ou seja, no início do século XXI, a Ilha do Mel passa a ser uma Capitania Hereditária. De pai para filho, neto, bisneto, tataraneto, ou então o Estado fica com a herança.

A Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres foi construída em 1776 para proteger os nativos dos piratas. Hoje, a Fortaleza precisa nos proteger, além dos bucaneiros de ocasião, também da pirataria do Estado.

Esse mesmo Estado que vem sendo relapso com o patrimônio afetivo do litoral. Leis para proteger a Ilha não faltam, e agora mais uma pacote delas está sendo lançado no Canal da Galheta. O que falta é vontade política para realizar tarefas básicas e tirar do papel projetos e propostas já existentes, nunca executados.

Uma dessas propostas morreu na praia, no final do segundo mandato de Jaime Lerner, quando o então Secretário do Meio Ambiente, José Antônio Andreguetto solicitou do engenheiro químico Cláudio Barreto um estudo para proteger a Ilha do Mel.

A proposta, preliminar, foi entregue em 2001 e só não foi adiante porque os papéis queimaram na fogueira das vaidades palacianas; e não por falta da boa vontade de Andreguetto.

Especialista em gestão ambiental, Conselheiro da Comissão de Meio Ambiente do CREA-PR e atuando também na Comissão de Direito Ambiental da OAB-PR, Cláudio Barreto reuniu uma equipe respeitável para montar a proposta que atacaria, basicamente, as seguintes carências: 1) Esgoto sanitário; 2) Distribuição e captação de água potável; 3) Separação e coleta de lixo; 4) Planejamento ambiental; 5) Educação ambiental.

No memorando, a equipe de Cláudio Barreto enfatizava: “Através da união de experiências, pretende-se alcançar as soluções mais adequadas (dos pontos de vista técnico, ambiental, econômico e social) aos sistemas de abastecimento de água, de coleta, afastamento, tratamento e disposição final dos esgotos sanitários e de coleta, transporte e disposição final dos resíduos sólidos da Ilha do Mel, com base em um amplo e objetivo Plano de Educação e Marketing Ambiental. Atualmente a Ilha do Mel, apesar dos avanços já conseguidos (luz, controle de entrada de visitantes, infra-estrutura de acesso), apresenta sérios problemas sociais e ambientais e suas maiores demandas estão correlacionadas à falta de um sistema adequado de abastecimento de água potável, à inexistência de sistema de esgotamento sanitário e ao volume crescente de lixo gerado e ao problema de sua disposição final. Somadas a essas vêm, ainda, carências na área de saúde e educação”.

Separação de lixo e educação são duas medidas inseparáveis. Para os resíduos, Barreto cita uma frase do ministro Carlos Minc: “O lixo é uma matéria-prima fora do lugar”. E o segredo para resolver essa miséria é a educação ambiental.

Dentro da proposta, um ponto importante seria a criação de dois centros de educação ambiental nos desembarques do turista à ilha. Como se fosse uma “alfândega” do meio ambiente, com orientações na recepção e, inclusive, no percurso das embarcações de transporte.

Com paisagens deslumbrantes, nascentes no alto do morro, com 97% da área em reserva ambiental, de tal porte que não suporta a fixação de um poste, a Ilha do Mel carece de vontade política e homens de boa vontade.