Santa Catarina é um estado abençoado por Deus. Mesmo pequeno, o estado nasceu virado para o mar. Ao contrário do Paraná, de litoral mínimo. Graças à topografia, plena de vales, montanhas, morros e morrotes, lá a reforma agrária foi feita pela própria natureza. Ao contrário do Paraná, de imensas planícies e grandes proprietários.

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Em Santa Catarina, com suas praias, o Jardim do Éden é serra abaixo. No Paraná, com a sua poderosa agricultura, a Terra da Promissão é serra acima. Nesse aspecto do bel-prazer, Santa Catarina ganhou alguns mimos divinos a mais. Em compensação, não se sabe por que, São Pedro nunca foi lá muito amistoso com os vizinhos catarinas.

Nascido em Nova Trento (SC), presenciei, desde que me entendo por gente, algumas das grandes inundações daqueles rios que correm apertados entre as montanhas. Presenciei as primeiras cheias na minha cidade natal, um reduto italiano no fim do Vale do Rio Tijucas. Já na idade escolar (primário e ginásio), testemunhei grandes enchentes no Vale do Rio Itajaí-Mirim, em Brusque, e no Vale do Rio Itajaí-Açu, em Blumenau. Para o leitor se situar, Brusque é vizinha 30 minutos de Nova Trento; Blumenau um pouco mais distante, uma hora.

Até onde a memória alcança, para os meninos as inundações eram uma diversão. Alheios à angústia e ao sofrimento dos adultos, conferíamos metro a metro o rio subindo. Quando a chuva parava, atravessávamos as ruas nadando e cercávamos com redes os bagres que se perdiam na correnteza.

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Águas passadas, diz-se brincando que Brusque é “Capital Catarinense dos Barrancos”. Cercada de morros por todos os lados, contamos que os brusquenses tinham como lazer nos fins de semana cavar barrancos nos morros, para depois construir uma casa embaixo e outra em cima. Com um barranco mais bonito que o outro, parece que Brusque tem um campeonato municipal de escavadores de morros.

Ironia à parte, a expansão da cidade é o que levou a população a construir em áreas de risco. E o resultado do progresso nos vales de Santa Catarina são as atuais reportagens da tragédia.

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Não a tragédia da natureza, a tragédia da natureza do homem.

Estudei dois anos em Blumenau, no Colégio Pedro II. Professor Floriani era o nosso mestre de Latim e Português. Recordamos de Floriani como o professor extremamente severo que fumava na sala de aula, com um detalhe espantoso para os dias de hoje: ensinava com o cigarro na boca, e a cinza não caía nunca!

Nas provas finais de dezembro, com péssimas notas em Português, professor Floriani nos dizia: “Quem chega ao fundo do poço é balde! Vamos trabalhar, rapaziada!”

Com Floriani, nunca cheguei ao fundo do poço. Mas faltou pouco. Aqui de longe, vendo a tragédia do Vale do Itajaí, não posso deixar de lembrar do mestre. Sempre de gravata, camisa branca, quase careca e com a cinza do cigarro que não caía nunca, dizia ainda o professor Floriani: “A desgraça ensina a sabedoria”.

Quem chega ao fundo do poço é balde. Como sempre, Santa Catarina vai se recuperar.