Verdade ou não, é preciso dizer: se fosse realizada neste início de século, a revolução urbana de Curitiba iniciada em 1971 não sairia do papel. Obras fundamentais, como o Sistema Trinário, a Rua das Flores e o Parque Barigüi seriam embargadas, contestadas e ainda estariam penduradas para exposição no Ippuc.

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Quando o arquiteto Jaime Lerner foi nomeado prefeito, em março de 1971, sua equipe trabalhava com uma faca no pescoço e a ordem de serviço na mão: é agora ou nunca, porque hoje pode ser o último dia.

O fechamento da Rua XV foi emblemático, de hoje para amanhã. A criação do Teatro do Paiol é outro exemplo da pressa, daquele sufoco para fazer acontecer os desenhos que mofavam nas gavetas. O final de maio de 1971, era o prazo em que Abrão Assad deveria entregar ao Ippuc o projeto de adaptação do antigo paiol de pólvora. Tinha que ser para já: na noite de 27 de dezembro de 1971 Vinícius de Morais inaugurou com uísque o Teatro do Paiol.

A pressa era tanta por um só motivo: assim como foi nomeado prefeito num dia, no outro Jaime Lerner podia ser demitido. Sem maiores explicações, conforme os humores da ditadura. Se não, vamos acompanhar a novela que foi o primeiro mandato de Lerner.

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Haroldo Leon Peres assumiu em 15 de março de 1971, nomeou Lerner prefeito e, em 23 de novembro do mesmo ano, foi cassado pelo general Emílio Médici, que o havia nomeado. Portanto, depois de apenas 8 meses, Lerner não era mais prefeito, estava prefeito.

Para substituir Leon Peres, os generais optaram pelo engenheiro Pedro Viriato Parigot de Souza. Que poderia ter mudado o arquiteto, mas não o fez. Mas Parigot de Souza morreu no dia 11 de julho de 1973 e novamente a faca voltou ao pescoço de Lerner. Enquanto isso, nesses entretempos, era agora ou nunca, porque hoje poderia ser o último dia.

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Mas outra vez, por pouco, muito pouco mesmo, Lerner foi ficando. Atravessou dois outros governadores: João Mansur, por um mês, e Emílio Hoffmann Gomes, de 11 de agosto de 1973 a 15 de março de 1975.

Eterno chefe de gabinete de Jaime Lerner, o advogado e jornalista Nireu Teixeira lembra que a equipe atuava como se todo dia fosse uma decisão de campeonato. Dormiam com uma idéia na cabeça e acordavam no dia seguinte com um capacete de obras sobre a mesma cabeça, porque aquele poderia ser o último dia. E assim os sonhos iam se realizando. A pressa é inimiga da perfeição, mas em Curitiba foi a nossa salvação.

Em plena ditadura, num ambiente político em que as liberdades de opinião eram sufocadas, os automóveis da Rua XV de Novembro cederam espaço aos pedestres. Trinta e seis anos depois, com a democracia restaurada e o lobby político atuante, será que os comerciantes e alguns outros contrários conseguiram embargar o projeto da Rua das Flores? É bem provável, podemos julgar pelo movimento já ensaiado para fazer retornar o automóvel àquela rua exclusiva de pedestres. E ainda, se possível, erguer um viaduto sobre a Praça Osório para facilitar a mobilidade urbana em direção ao shopping.

Para desapropriar a área em torno do Parque Barigüi, a prefeitura precisou mobilizar tantos advogados quanto o número de operários que trabalharam na preservação daquele fundo de vale. Se fosse hoje, até o jacaré do Barigüi estaria sob a guarda da Justiça, como testemunha convocada da CPI do lago.

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Para sustentar esse argumento, e bem a propósito, o juiz Douglas Marcel Perez liberou o uso da Pedreira Paulo Leminski para shows e outros eventos. A decisão, no entanto, tem restrições. Determinados eventos potencialmente nocivos à comunidade, como shows musicais, especialmente abertos para o público jovem, serão proibidos. O fechamento da Pedreira, anteriormente, havia sido acatado pelo Ministério Público a pedido dos moradores da região, incomodados com o barulho.

Como disse o cartunista Solda, “agora a Pedreira é para a turma da terceira idade. Valsas, polkas etc. Shows de rock, nem pensar”.