Adoção urbana

Papai Noel bateu na porta de Curitiba e o espírito natalino baixou no prefeito Beto Richa: vai conceder um “presentinho família” de 50 reais aos mais carentes; ganhou um mimo de Ricardo Teixeira via Dunga; a Rua 24 Horas está sendo bem empacotada no Ippuc, para sair logo do papel; e a Rua Riachuelo será o presépio da cidade.

Os sinos só não estão bimbalhando no lado oposto da prefeitura, por conta do lixo-que-não-é-lixo chamado política. O que nos leva a crer que a região metropolitana de Curitiba não vai ter um buraco sequer onde enterrar o lixo das festas de fim de ano.

Intolerâncias à parte, enfim, chegou o Natal na Rua Riachuelo. As obras no “presépio” devem perdurar até o dia 10 de dezembro, com mudanças no trânsito, modernização das calçadas, nova iluminação pública, rede subterrânea de cabos, despoluição visual e sinalização turística para pedestres. Fechando com a integração das ruas Riachuelo, São Francisco, Barão do Serro Azul e praças centrais, como a Generoso Marques e a Tiradentes, e o centro histórico do Largo da Ordem.

Alguns comerciantes não estão gostando do estorvo de homens e máquinas, mas Curitiba já está acostumada com esses inevitáveis reclamos. Quando a Rua XV de Novembro foi fechada, bem lembramos, só não foram chamadas as Forças Armadas com o AI-5 embaixo do braço para coibir o abuso dos arquitetos.

Desta feita, tudo deve transcorrer na santa paz do Menino Jesus. Com o espírito natalino do prefeito, as obras serão interrompidas para a chegada do Papai Noel, a pedido dos comerciantes, para serem retomadas dia 11 de janeiro de 2010, com o início da segunda etapa da reforma. Beto Richa promete entregar a nova Riachuelo totalmente revitalizada no próximo aniversário de Curitiba. Vamos anotar na agenda e acompanhar a entrega do presente, porque São Nicolau castiga quem não cumpre promessas.

A matéria-prima do cronista é a utopia. Assim, tomo a liberdade de dar uma sugestão para a montagem final do “presépio” da Rua Riachuelo. Após realizadas as obras de infraestrutura, penduricalhos e demais acessórios urbanos, o prefeito poderia reunir em torno do “presépio” os comerciantes, entidades de classe e demais interessados para propor aos escritórios de arquitetura da cidade um plano comunitário de adoção dos prédios e fachadas da Rua Riachuelo.

Complicado? A coisa funcionaria assim: voluntariamente, cada arquiteto adotaria uma edificação da Riachuelo, aí incluindo a Rua São Francisco, para prestar consultoria aos proprietários ou inquilinos. Esta assessoria de ideias seria quanto aos projetos das fachadas, a despoluição visual, principalmente, ou possíveis restaurações e reformas.

Com esse espírito natalino, o conjunto da Riachuelo agregaria, além dos investimentos públicos, o talento dos nossos escritórios de arquitetura. O que evitaria, no futuro, uma rua de primeiro mundo com aspecto da “zona de livre comércio do Paraguai”. Algo parecido com o estado atual de alguns monstrengos que assustam turistas desavisados na Rua das Flores. Ou então a “zona portuária” em que se transformou todo o entorno da Igreja do Guadalupe, a começar pela “foz” da Rua João Negrão.

Arquitetos de boa vontade, uni-vos! Com a adoção voluntária, não tendes nada a perder senão alguns rabiscos na prancheta e poucos minutos de inspiração. Tendes a ganhar mais uma vez o reconhecimento desta cidade que, sem nenhum favorecimento natural, teve a sua paisagem redesenhada por vossas privilegiadas mãos.

Tendes a ganhar ainda o imenso prazer de zelar pela Confeitaria Blumenau (se ainda não foi transformada numa lojinha de bugigangas) e, honra maior, adotar a esquina das ruas Riachuelo com São Francisco, verdadeiro endereço do Vampiro de Curitiba.

Arquitetos de boa vontade, a “Carioca do Campo” vos aguarda, quem sabe até para restaurar a bica d’água que deu origem ao antigo nome.