Daqui, caro leitor, convido-o para conhecer alguns parágrafos da história de vida da escritora Maria Thereza Brito de Lacerda, ilustre lapiana (lapeana, com E, não é de inteiro agrado) que guardava uma grande frustração: não ter conhecido pessoalmente o escritor Monteiro Lobato, de quem foi vizinha e filha espiritual.

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Um dos livros de Thereza, “A Pedra do Caminho”, tem no subtítulo a síntese de sua de rica trajetória: “Histórias de viver e reciclar”. E se daqui lhe faço esse especial convite é para reverenciar a memória de uma pessoa muito especial, de especial escrita, que perdemos no dia seguinte ao Natal.

Para lhe provar a especialidade, caro leitor, transcrevo aquela frustração de como a menina da Lapa não conheceu Monteiro Lobato na Rua Alabastro, apesar de filha por parte de livros:

“Naquele ano de 1942, instalados em São Paulo, enfrentávamos alguns racionamentos, como o de gás e o de gasolina. O gasogênio era o combustível usado, e as dificuldades para colocar em marcha o novo sistema constituíam um teste de paciência para os motoristas. Quanto ao gás de cozinha, os inquilinos anteriores quase não comiam em casa e, em conseqüência, a nossa cota era mínima. Minha mãe, acostumada a cozinhar feijão todos os dias, na panela de ferro e no fogão a lenha, foi obrigada a improvisar um fogareiro a carvão no quintal. Certa manhã, quando eu esperava impaciente o almoço, alguém, talvez o meu cunhado, falou despreocupadamente: ‘Está vendo a casa lá embaixo? Ali mora o Monteiro Lobato’. Meu coração disparou. Tentei localizar melhor, mas só via os fundos de uma casa, se não me engano, pintada de amarelo”.

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O nome mágico, pronunciado ao acaso, trouxe a memória da Lapa, quando aos sete anos, já alfabetizada, ela recebia livros pelo Correio. Na estante verde do quarto de criança ficavam os livros infantis e a coleção lobatiana – certidões de batismo da filha de Monteiro Lobato.

“Em 1942, queria contar um pouco da vida de criança a Monteiro Lobato. Eu tinha plena liberdade para sair, ainda mais para ir tão perto da nossa casa. Mas apenas me decidia, começava a suar frio, o estômago apertava e eu perdia a coragem”.

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Maria Thereza não chegou à Rua Alabastro, mas foi bem mais longe. Menina moça, a bordo do navio Provence chegou a Paris: “Quando ganhei a bolsa-prêmio da Aliança Francesa, tive que vencer a ferrenha oposição materna. Se nem mesmo ao cinema eu ia desacompanhada, a perspectiva de uma viagem à Europa parecia impossível. Os perigos, entre outros não confessados, seriam: pegar gripe, ser abordada por desconhecidos pouco recomendáveis, comer mal, passar frio. A tradicional família tremeu nas bases, mas eu resisti às chantagens emocionais e venci as resistências”.

Filha de Monteiro Lobato, escritora é: das principais obras, Maria Thereza escreveu “Os Franceses do Paraná” (com Maí Nascimento Mendonça), “Subsídios para a história do teatro no Paraná”, “A lida da goiabada”, “A magia do casarão”, “Cartas da minha cozinha” e “Café com Mistura”, um clássico da literatura paranaense.

Nos últimos tempos, Thereza se empenhou na missão de reconciliar descendentes de pica-paus e maragatos, para unir a sutura que a revolução federalista causou na Lapa materna. Queira Deus que, de outra dimensão, elimine alguns ressentimentos porventura ainda presentes na Lapa e também que possa, enfim, apresentar-se a Monteiro Lobato como aquela menina vizinha da Rua Alabastro. E lhe contar coisas de criança. E lhe dar aquele abraço.