A família Curi merece um livro. Se já não está a caminho, quem se apresenta? Seriam relatos da política provinciana, com enredos em suma semelhantes às tramas fronteiras abaixo e acima do Paraná. O mago Michel Curi abriria o primeiro capítulo, por exemplo.

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O esboço do capítulo a seguir me foi passado por Rafael Iatauro, atualmente secretário da Casa Civil do governador Roberto Requião e, de muito, íntimo do clã: Odete, que criou os irmãos; Jorge Curi; Aníbal Curi, o guru e bruxo; Nipton (como não gostava do nome, adotou Reade) Curi; Michel Curi, o mago; e Salomão Curi (o mesmo nome do pai), que teve um pequeno problema na infância e viveu a vida inteira na casa de Aníbal Curi. Morreu solteiro, aos 44 anos de idade, deixando uma pequena fortuna ao seu privilegiadíssimo sobrinho Aníbal Curi Filho, pai do deputado Alexandre Curi.

Rafael Iatauro conviveu muito com Michel Curi, de quem guarda na memória uma lista fantástica de profecias realizadas. Na família Curi, o verdadeiro mago foi Michel. Aníbal, como se isso fosse pouco, era “apenas” bruxo. Ou guru. O ex-presidente do Tribunal de Contas do Paraná, indicado pelo ex-governador Paulo Pimentel, era íntimo da casa. Raramente deixava de almoçar com o mago, aos sábados, onde sempre havia uma mesa bem fornida para quem por lá aparecesse. Do café da manhã ao jantar. Durante as noites da semana, principalmente, não era fácil conversar com o “turco”, tamanha a romaria que se formava em sua residência, dos mais simples aos mais aquinhoados, políticos ou socialites, sequiosos em resolver seus problemas ou simplesmente saber do futuro.

Entre tantas, Iatauro lembra de uma marcante passagem. Carlos Lacerda e Juscelino, que haviam sido inimigos mortais, se uniram após a Revolução Militar, e percorreram o norte do Paraná fazendo pregação incendiária. Com eles, o ex-deputado Jorge Curi, que fora não só amigo e líder de Lacerda na Câmara Federal, mas também seu sócio em empreendimentos privados (Datamec).

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Certa manhã, Jorginho Curi ligou para Niva, mulher de Aníbal Curi, e pediu que preparasse uma quibada, especialidade que a cunhada havia aprendido com o sogro Salomão, o patriarca.

 – Vou levar o Lacerda (disse Jorge), o homem quer conhecer o Michel.

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À tarde, após o suculento quibe ter sido devorado com uma montanha de saladas, Carlos Lacerda começou a desafiar Michel sobre previsões, em tom educado, mas de visível deboche. Michel não se perturbou. E, diante de Aníbal, Jorge, o general Ítalo Conti e Rafael Iatauro, naturalmente, o mago desfilou uma série de fatos íntimos que só Lacerda tinha conhecimento.

Meio assustado, Lacerda pediu licença para conversar com Michel, a sós. Se reuniram num escritório da casa de Aníbal, na Rua Costa Carvalho, 178, onde permaneceram por mais de uma hora. Lá pelas tantas, a porta se abriu e Lacerda apareceu, meio zonzo. Sem perder a fleuma, própria das inteligências raras que em nada acreditam, o “corvo” (apelido do ex-governador carioca) foi logo afirmando:

– É! O homem diz coisas interessantes. Gosta, contudo, de dar seus “chutinhos”. Imaginem que ele afirmou que se eu não parasse de desafiar os militares ia sofrer grande perseguição política, e nunca mais ocuparia cargo público.

Respirou fundo e emendou:

– Até aí, tudo bem! Agora vejam o absurdo: como se nós estivéssemos voltando ao tempo da velha Roma, Michel garantiu que o Brasil, já, já, vai ser governado por um triunvirato militar!

E soltou sonora gargalhada. Alguns meses depois, com o afastamento do presidente Costa e Silva, por doença, o Brasil passou a ser dirigido pelo triunvirato militar: general Aurélio Lyra Tavares; almirante Augusto Rademaker e o brigadeiro Márcio de Souza e Mello.

A partir dessa data, e até seu falecimento, Carlos Lacerda não deu mais passo algum sem antes consultar Michel Curi, o Mago das Araucárias, que o visitava ao menos a cada dois meses no Rio de Janeiro.