Conta o jornalista Adherbal Fortes de Sá Júnior que, certa noite, no início dos anos 80, ele saiu em vistoria pelos bares de Curitiba escoltando Toquinho e Vinícius de Moraes. Aramis Millarch fazia as vezes do escrivão que não anotava. “Havia um gravador em sua cabeça que raramente falhou”, lembra Adherbal.

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Lá pelas tantas do Setor Histórico, provavelmente no Bar Bebedouro, Aramis perguntou:

– Como você consegue produzir tanto, Vinícius?

– É a paixão!

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O poeta deu um golinho em seu uísque:

– Sempre que me desapaixono, caso de novo e recomeço a produzir.

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Hoje, quase a mesma pergunta faço ao jornalista de notável ausência:

– Como você conseguia produzir tanto, Aramis? E sem a internet?

Aramis Millarch me responde de alhures:

– É a paixão! A paixão pela informação. Mas com a internet seria muito mais fácil. Quem sabe, não morreria tão cedo.

O jornalista Aramis Millarch se foi no dia 13 de julho de 1992. Naquele mesmo dia, cerca de 8h45 da manhã, Aramis Millarch telefonou para Zito Alves Cavalcanti, gerente de cinema e dileto amigo.

– Zito, vai para mim à biblioteca e pesquisa sobre a data em que de fato foi lançado, aqui, o filme Assim caminha a humanidade. Aliás, a data mesmo não, porque foi um dia antes do meu aniversário, mas eu não sei o ano. Um amigo me disse que o assistiu em 1959. Verifique, por favor.

Zito Alves lembrou na Memória de vida do jornalista: “O assunto foi várias vezes conversado. Aramis sabia e tão-somente que o filme teria sido lançado num dia e retirado de cartaz no dia 13. Lembrava, agora, que o pai lhe dera a título de presente de aniversário uma bolada para assistir ao filme. Mas, aqui chegando, ele morava em São José dos Pinhais, o filme saíra de cartaz e comentava que os líderes da greve estudantil seriam José Richa e Rafael Iatauro. No final da conversa queria fazer outro apelo, que eu parasse de dizer que foi ele o autor do enterro simbólico de protesto, do exibidor Daniel Precoma em São José, pois naquele tempo ele, Aramis, morava em Curitiba. E no final, mais uma recomendação ao telefone:

– Zito, tenha pressa, preciso escrever sobre o filme. E não tenho muito tempo… Pesquisa na biblioteca, logo após as 12h, e às 14h entrega, como de costume, por baixo da porta, o xerox dos textos, filmes em exibição em outros cinemas da época, tudo colocado em envelope.

O amigo Zito Alves cumpriu a tarefa dentro do horário. Ao chegar na Rua Visconde do Rio Branco, estranhou que as cortinas da casa do jornalista estivessem cerradas. Mas, apenas minutos após chegar em sua residência, Zito recebeu o telefonema de um amigo dando a triste notícia. Aramis morreu sobre a máquina de escrever, fechando o parágrafo: “Assim caminha a humanidade”.

Tantos anos depois, não mais precisamos pedir socorro a um amigo e à biblioteca. A biblioteca nos socorre em casa. E, para compartilharmos de tudo o que o jornalista folheou página por página, nos basta ir ao Google e digitar http://www.millarch.org/

No endereço encontramos mais de 50 mil artigos, com mais de 100 mil personalidades e artistas citados. Como se fosse pouco, Marilena e o filho Francisco nos abrem ainda mais alguns baús da memória oral do jornalista: o acervo completo das entrevistas que Aramis realizava para o seu acervo particular agora estará disponível em uma coleção com oito DVDs. Gravações recuperadas e digitalizadas, a coletânea com 572 entrevistados (Cartola, Egberto Gismonti, Lúcio Alves, Helena Kolody, Paulo Leminski, Ivan Lins, Carlos Lyra, Angela Maria, Nelson Cavaquinho, Herivelto Martins, Miucha, Zezé Motta, Paulinho Nogueira, Flávio Rangel, Roberto de Regina, Arrigo Barnabé, João Bosco etc., etc. e etc.) será lançada hoje no Teatro Positivo, às 20h, com coquetel e mesa redonda com a participação de Hermínio Bello de Carvalho, Constantino Viaro, Elói Zanetti e Maí Nascimento Mendonça.