Abrir um bar ou um blog, eis a questão

Nos velhos tempos do saudoso Hermes Macedo – com lojas do Rio Grande ao Grande Rio -, um dos sucessos na tevê era um comercial das Lojas Pernambucanas:
– Quem bate?
– É o frio!

Recentemente remodelado, com a entrada em cena do fantasma Gasparzinho, o jingle de 1967 agora poderia ter outra resposta:
– Quem bate?
– É o frio do olho da rua!

Com o desemprego batendo na porta dos brasileiros, não são poucos a lembrar do livro “Bar Don Juan”, de 1971, de Antônio Calado, com a frase-epígrafe do escritor inglês W. H. Auden: “Quando o processo histórico se interrompe, quando a necessidade se associa ao horror e a liberdade ao tédio, a hora é boa para se abrir um bar”.

Para quem conhece por dentro os intestinos de um bar ou restaurante, de fato, tal ideia surge especialmente quando a “necessidade se associa ao horror”, porque precisam ser dos bravos aqueles que persistem no negócio sem perder a boa forma. E acima de tudo, precisam do bom espírito, porque “um bom botequim tem que ter um bom dono. Se o dono é chato já azeda”, decreta o cartunista Jaguar, do alto de sua abstinência etílica atual, completando o quadro de administração: “Tem que ter um garçom que te compreenda. Um garçom é quase como um caso que você tem com uma mulher. Só que é muito mais difícil achar um bom garçom do que uma boa mulher.

Muitos são os adictos ao balcão e à boa mesa que caíram na tentação. Abriram a porta do sonho, fecharam com o pesadelo. Poucos contaram tão bem porque não tentaram realizar a fantasia quanto o escritor Gay Talese, em seu livro “Vida de escritor”.

Em Nova York, confessa o escritor ítalo-americano, “eu via em grande escala aquilo que já tinha vislumbrado quando menino em Nova Jersey: restaurantes como salões de deferências, honrarias e autoafirmações. E me abandonei ao prazer do que eles tinham a me oferecer, que para mim não era o que aparecia no cardápio e sim as imagens e sons circundantes, que me transportavam para fora de mim mesmo, o salpico mágico de certa especiaria no “gestalt” que me elevava a níveis de resposta e fruição que eu muitas vezes experimentava quando ia ao teatro”.

Talese atribui essa fascinação aos pais sempre preocupados com a clientela, o alfaiate e sua esposa dona de butique que gostavam de se exibir efusivamente nos salões dos restaurantes italianos: “Nesse período de minha vida eu tive dois pais: um pai de casa e um pai de restaurante. Só com este eu era feliz como filho. E durante meus anos escolares, sobretudo quando me sentia um péssimo estudante, eu me via entrando no ramo dos restaurantes algum dia, dono de um restaurante italiano que atrairia homens como meu pai e poria risos na vida deles, e onde eu pudesse circular como figura sofisticada entre uma multidão festiva, usando um dinerjacket branco, como Humphrey Bogart em ‘Casablanca’, tendo meu próprio pianista, pagando drinques para meus amigos e exercendo o privilégio de flertar com as lindas garçonetes”.

Extensão do teatro, centro de imponentes entradas e saídas, palco para cena de costumes e improvisações, cenário de misteriosas tramas e transações obscuras, de encontros românticos ou relacionamentos ilícitos, por tudo isso Gay Talese sempre que larga sua mesa de trabalho gosta de se juntar a um grupo alegre no bar ou restaurante para relaxar, ouvir e se deixar tomar pela excitação, com Dry Martini na medida certa: “Os restaurantes são câmaras de ressonância para bisbilhoteiros veteranos como eu”.

Alvos potenciais para banhos de sangue do submundo do crime, por uma cena burlesca que presenciou certa noite em Nova York, Gay Talese pode ter desistido do sonho de abrir um restaurante, ou bem ao contrário, ter sua fonte de inspiração intensificada: “Um homem de meia-idade que estava no bar se aproximou da mesa do ator Anthony Quinn e se pôs a imitar com perfeição os passos e gestos de dança de “Zorba, o grego”, atuação que lhe valeu o aplauso de todo o salão, mas somente expressões contrafeitas de Quinn, o que levou o maître a atirar na rua o bailarino rival”.

Millôr Fernandes jurava que “não devemos resistir às tentações: elas podem não voltar”. Não caia nessa. Hoje, melhor que abrir um bar é abrir um blog. Só tem uma pequena diferença: no lugar do balcão, um teclado.