A voz do Brasil

Por falta de escritos sobre o tom de voz de Pedro Álvares Cabral, o registro da primeira voz do Brasil é a de Dom Pedro II. Imperador do Brasil aos 14 anos, aquele menino com treze sobrenomes tinha uma voz horrorosa. Foi um bonito mancebo, alto e de olhos azuis, mas quando abria a boca lembrava Ney Matogrosso em seus melhores agudos.

Nem por isso o simpático imperador se deixou calar diante da assombrosa invenção do telefone. Ao visitar a Exposição Universal da Filadélfia, em 25 de junho de 1876, Graham Bell botou a boca no bocal e disse: ‘To be or not to be, that is the question‘. Dom Pedro II, com o fone no ouvido, gritou com a sua voz de princesa: ‘Meu Deus, isso fala!‘.

Depois dele, o Brasil começou a ouvir vozes. A do monarca era celestial, comparada com a voz da ignorância de muitos republicanos. Vozes do inferno vinham das senzalas e vozes do além vinham dos banqueiros ingleses.

Da República Velha à Nova República, a voz que não quer calar é a do José Sarney. Calaram-se as vozes dos generais, a voz de Juscelino, Jânio e Jango, mas a voz do frustrado ventríloquo de Tancredo Neves ainda é a voz de mando no Maranhão. Quando Collor mordeu a própria língua, a inconfundível voz do Lula tornou-se mais audível. Não tinha a fluência da voz de Fernando Henrique Cardoso, em compensação o coaxar do sapo barbudo parecia ser a voz rouca das ruas. Nas ondas do rádio, a Voz do Brasil começou com o vozeirão de Luiz Jatobá, quando o país era embalado em berço esplêndido pelas cantoras do rádio, levando a vida a cantar.

Hoje a Voz do Brasil é a voz de Márcio Anselmo, o jovem delegado da Polícia Federal. A ‘voz de taquara rachada‘ que tem ofendido tímpanos e consciências de corruptos e corruptores nas entrevistas coletivas da Operação Lava Jato. Do alto de sua tese de doutorado sobre ‘Normas internacionais de lavagem de dinheiro‘, a voz do doutor Anselmo não é a voz de Deus, mas acusa como se fosse o porta-voz do povo.

Dentre tantas vozes dissonantes na cena política, Márcio Anselmo (foto) tem a voz que hoje mais precisamos ouvir: a voz de prisão!