A vala comum de Tolstoi

Parei de fumar no final do ano de 2009. Mas não foi graças a uma promessa para iemanjá, como pode parecer. Foi obra de uma poderosa gripe que me deixou com uma benigna repulsão ao cigarro. Aliado ao antigo desejo de romper relações com a Souza Cruz, com a devida prescrição médica e o fato de estar na praia, afastado da rotina de trabalho, não me foi difícil dar adeus ao vício.

Por ter passado por esse calvário (sem nunca ter me inscrito em falanges segregacionistas), desde então compreendo as agruras daqueles que largam a namorada na mesa de um bar para fumar na calçada. Estes estacionamentos humanos em frente aos bares e restaurantes, sob uma nuvem de nicotina, lembram o exemplo do grande escritor russo Tolstoi, autor de clássicos como “Anna Karenina” e “Guerra e Paz”.

Em 1879, depois de confessar num dos seus livros, justamente chamado “Confissão”, que já havia cometido todos os pecados do mundo (“mentiras, roubos, promiscuidades de todos os tipos, embriaguez, violência, assassinato – não há um único crime que eu não tenha cometido”), o celebrado escritor se dedicou a pregar a abstinência. Durante trinta anos Tolstoi escreveu regularmente sobre o perigo do fumo e do álcool, chegando a inventar um drinque exemplar com os seguintes ingredientes: vodka, sangue de raposa, de lobo e de porco. 

Certa manhã, Tolstoi reuniu as pessoas de sua aldeia em frente ao único bar da cidade, puxou para fora mesas e cadeiras, puxou um pedaço de papel do bolso e o colocou sobre a mesa, ao lado de um frasco de tinta e uma pena. Subiu numa cadeira e fez um discurso sobre as pragas do tabaco e do álcool, rogando que cada homem presente assinasse no papel a garantia de que nunca mais iria beber nem fumar. Depois que todos assinaram, muitos sob as súplicas da mulher e dos filhos, Tolstoi pediu que cavassem uma vala e enterrassem no mesmo momento cigarros, potes de tabaco, cachimbos, caixas de charuto e, para brindar a nova vida, que cada um jogasse o último drinque naquela vala comum. A vala da raposa, do lobo e do porco.