Para que conste nos anais do Prêmio Camões, o mais importante da língua portuguesa, o agora premiado Dalton Trevisan deu uma única entrevista na vida. De forma involuntária, ressalte-se. O autor da proeza foi o jornalista Mussa José Assis, então chefe da sucursal do jornal O Estado de S. Paulo em Curitiba.

continua após a publicidade

Naquele ano de 1972, os editores do Estadão decidiram relançar o venerado Suplemento Literário. Para tanto, solicitaram da sucursal uma entrevista com Dalton, uma quase impossível foto e, para a capa do suplemento, um conto inédito do Vampiro de Curitiba.

Mussa armou-se de um escapulário e conseguiu marcar um horário com o contista em seu escritório de trabalho, junto à fábrica de vidros da família, na Rua Emiliano Perneta.

– Mussa, concordo em ceder um conto inédito, mas não dou entrevista. O importante não é o autor, é a obra. Aceita um cafezinho?

Tomaram vários cafezinhos. Sempre pedindo para não publicar nem uma linha da conversa, o Vampiro passou a tarde inteira se explicando e encerrou a conversa. O autor recebeu um cheque referente ao conto inédito, assinou um recibo e se despediu:

– Falei ao amigo, não ao repórter!

No dia 27 de agosto de 1972, o Suplemento Literário foi às bancas com a seguinte manchete na capa: “Quando o contista é melhor que o conto”.

Logo abaixo, o conto de Dalton Trevisan – “Firififi” – e uma assinatura de próprio punho do Vampiro. No miolo do suplemento, ilustrada com uma foto clandestina, a entrevista única com o Vampiro.

De notável memória, Mussa começou assim o texto:

– Dalton Trevisan não dá entrevistas. E explica por quê.

Nos parágrafos seguintes, o teor da conversa que rendeu muitos cafezinhos na fábrica da Rua Emiliano Perneta.

Dias depois, o jornalista foi caçado pelo Vampiro:

– Mussa, tudo bem, mas só queria saber como vocês conseguiram aquela minha assinatura que saiu na capa do suplemento?

– Ora, Dalton: aquela assinatura foi reproduzida do recibo que você assinou!

– E aquela foto?

– Aquela foto foi feita no dia em que você foi se encontrar com Rubem Fonseca no Hotel Iguaçu.

A fotografia clandestina de Flávio Ogassawara é esta onde o Vampiro aparece junto a uma folhagem. A pauta do fotógrafo seria para registrar a vinda do escritor Rubem Fonseca a Curitiba. De longe, Ogassawara abriu o ângulo: de um lado estava Rubem, no outro Dalton. Na edição, foi para o suplemento a única foto clandestina que por muitos e muitos anos os jornais tiveram disponível.

A reportagem de Mussa fez história, inclusive nas mãos do contista. Daí em diante, quando algum jornalista solicitava uma entrevista, Dalton Trevisan sacava uma cópia do Suplemento Cultural e repetia:

– O importante não é o autor, é a obra. Eis a minha única entrevista.

continua após a publicidade