Jaguara, o Animador de Velórios dos Campos Gerais, teve que explicar aos amigos da borda da serra de São Luiz do Purunã o que estava, afinal, acontecendo na capital.
– Coisa sucede, compadre Jaguara?
O Animador de Velórios se abancou ao lado do fogo e começou a noitada declamando o poeta Ascenso Ferreira:
Riscando os cavalos!
Tinindo as esporas!
Través das coxilhas!
Sai de meus pagos em louca arrancada!
— Para quê?
— Pra nada!
Os “gaúchos” do Purunã coçaram a barba, pensativos:
– A troco de nada, compadre Jaguara?
– É o que se diz na capital. Pelo visto, até os graúdos do governo não estão entendendo a linguagem das ruas. É sempre assim, nessas horas eles não só perdem a língua como também se fazem de desentendidos.
Jaguara pediu para passar a cuia do chimarrão e começou a contar um causo acontecido em Guarapuava, quando um senador de tradicional família nepotista de Curitiba se encheu de coragem e foi pedir voto numa aldeia caingangue. Também conhecidos como coroados, foram esses índios o povo mais injustiçado do sul do Brasil. Mesmo esbulhada, essa gente miserável – por incrível que pareça -, tinha título de eleitor. Portanto, como se fosse uma mina eleitoral, o senador tratou de organizar uma expedição aos terceiro planalto paranaense. Botou a mochila nas costas e foi conhecer os guerreiros da Serra da Esperança. Não sem antes receber um alerta dos cabos eleitorais de Guarapuava:
– Fica atento, senador: aquela indiarada catinguenta é muito desbocada!
Com a cara e a coragem, o senador subiu a serra rumo à tribo caingangue, onde foi muito bem recebido, para seu espanto, com uma comilança de paca, tatu, passarinhada e pinhão, com muito piwo (cerveja caseira) de Prudentópolis. Com o pandulho forrado, o senador apertou a mão daquela “indiarada catinguenta”, cumpriu a obrigação e adaptou o breve discurso de sempre:
– Se eu for reeleito, vou fazer com que sejam recuperadas as terras indígenas!
E os caingangues batiam com os pés no chão e gritavam:
– Airakorê!
– Se eu for reeleito, os índios vão ganhar posto de saúde, hospital e assistência médica gratuita!
– Airakorê!
– Se eu for reeleito, os índios vão ganhar educação gratuita até a universidade.
– Airakorê!
– Se eu for reeleito, vou asfaltar a estrada daqui até Guarapuava!
– Airakorê!
Em seguida, para fechar o negócio com um cheque pré-datado, o candidato pediu para ser levado até ao mocó do cacique caingangue, no alto de um morro. Foi conduzido por um indiozinho esperto que, apontando o caminho, disse:
– Andando por aqui, senador! Essa picada ter menos pirambeira. Mas tomar cuidado para não pisar no airakorê das vacas! Tá cheio de airakorê fedido!
Segundo conta o Animador de Velórios dos Campos Gerais, o senador só recebeu airakorê na urna de Guarapuava. Subiu a Serra da Esperança a troco de nada.