A terra dos aviões

Você conhece alguém que tenha nascido em São José dos Pinhais? O município é o terceiro mais rico do Paraná, acolhe o Aeroporto Afonso Pena, tem 260.000 habitantes, mas acho que não conheço ninguém nascido em São José dos Pinhais. Melhor dizendo, não conhecia. Acabo de conhecer.

Óbvio que a pergunta é uma provocação aos nascidos na Vila de São José dos Pinhais, município fundado em 1852, quando o Paraná ainda era Província de São Paulo. Quem nasce na ?terra dos aviões? é são-joseense, os cidadãos que agora têm em mãos a responsabilidade de vigiar o crescimento da cidade em torno do Aeroporto Afonso Pena. São José é a cidade que mais cresce no Paraná. Avança a economia, avança a cidade em cima de chácaras e áreas verdes da paisagem aparentemente ainda segura do aeroporto. A pergunta que agora se faz aos vizinhos do Aeroporto de Congonhas é a mesma que devemos fazer à população de São José dos Pinhais: ?Quem chegou antes? O aeroporto ou a cidade??. Essa é a metástase que aflige a infra-estrutura aérea: os aeroportos transformados em cidades, à margem das cidades. A cidade indo ao aeroporto, e não apenas o viajante.

?Cidade dos aviões?, a designação veio do falecido radia-lista Irone Santos. Ele tinha um programa esportivo numa rádio de São José dos Pinhais que ia ao ar no final da tarde: ?Na terra dos aviões, o relógio marca cinco e quarenta e cinco!?. E ia em frente, com as notícias frescas da liga suburbana e as requentadas do futebol profissional. Irone encerrava o programa com uma vi-nheta cavernosa: C-O-N-F-I-D-E-N-C-I-A-L.

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Voltando à provocação do intróito, dizia que não co-nheço ninguém nascido em São José dos Pinhais, e que acabo de conhecer. Fui apresentado pelo historiador e escritor Paulo Ramos Derengoski, quando contou aos seus leitores que Chico Bentão, o pai de Anita Garibaldi, nasceu em São José dos Pinhais, de onde vinham afamados tropeiros. E passou grande parte de sua vida em lombo de mula, entre Laguna e Lages.

O são-joseense Bentão casou-se com Maria Antônia de Jesus Antunes, mãe de Anita, que era filha de pai sorocabano, boiadeiro que conduzia tropas com charque e outros produtos que abasteciam as regiões mineiras. Bentão e Maria Antônia – conta ainda Derengoski – se estabelece-ram em Laguna, onde ele acreditava encontrar maiores oportunidades de trabalho.

Muitos historiadores afirmam que Aninha do Bentão nasceu em Lages – ela sabia andar a cavalo, tecer lã de ovelha – e não em Laguna. Quanto à origem, o escritor lageano tem a palavra final, e a mais generosa: ?De fato e de direito – de papel passado – ela é cidadã de Laguna. Até por que foi Laguna, além da Itália, quem cultuou sua memória, erigindo estátuas e museus. Mais do que nativa de Serra Acima ou de Serra Abaixo, ela é Heroína de Dois Mundos. A deusa de julho. Da Revolução Juliana?.

Aninha do Bentão morreu na Itália, no dia 4 de agosto de 1849, e foi enterrada sete vezes. Bentão da Aninha deve ter morrido numa invernada, e bem por isso São José dos Pinhais devia erguer uma estátua de Chico Bentão, um monumento ao tropeiro – o pai de Anita Garibaldi e filho de São José dos Pinhais montado em lombo de mula, apontando para o Sul.