A sapecada

“Os homens de Ponta Grossa saúdam as mulheres de Campo Largo!” – diz o gaiato de Tibagi. Com todo respeito a Campo Largo, e também a Ponta Grossa, são insopitáveis e recorrentes os maliciosos chistes acerca dessa união. Adaptada do conto “Começo de Inverno”, de José Carlos Veiga Lopes, tenho minha versão de como tudo começou.

Mulher é Campo Largo. Excelente amazona, cavalgava elegantemente em selins de banda, trajando vistosos roupões e chapéus de aba larga com enfeites de fitas e flores. Ao ficar noiva, completou seu enxoval com um belo cavalo marchador. Como é de tradição, casou com um mancebo de Ponta Grossa.

Cerimônia serra abaixo, festa serra acima, ela e o noivo subiram o Purunã: o padre de Missal vinha na frente, na retaguarda um bando de alegres e barulhentos cavaleiros, os guapos de Pinhalão.

Muito antes de os noivos pregarem os proclamas do casório, o povo do primeiro e segundo planalto já comentava nas bodegas e armazéns:

– Campo Largo sapecou Ponta Grossa!

Tinha razão de ser o disque-disque.

Se tinha duas coisas a que Campo Largo não resistia era peão bonito e pinhão viçoso, fosse cozido ou sapecado. Certa tarde de inverno, Ponta Grossa soube que a piazada tinha descoberto, lá no Capão da Limeira, pinheiros que estavam desfalhando. O capão não ficava muito longe de casa, Campo Largo ficou com desejo de juntar os pinhões. Apanhou um saco e chamou a piazada:

– Vocês querem ir comigo lá no Capão da Limeira para juntar pinhão?

A piazada ficou tão alvoroçada que até cambotes viravam no capim. Garraram um trilho e vararam a sanga, todos alegres. Ao entrarem no capão, Campo Largo viu um cavaleiro a voltear o campo. Assim de longe não reconheceu o ginete, mas tinha quase certeza que, pelo porte do alazão, o cavaleiro era mais bonito ainda.

Um frio lhe passou pelo corpo, depois o coração bateu mais acelerado. Despistando, entrou no mato e, ajudada pelos piás, Campo Largo começou a juntada de pinhões. Já estavam com pinhão em meio saco, ouviram um barulho, o pulsar da moça acelerou-se. Seria o alazão que chegava, o que será que ele iria querer? Mas ela teve uma decepção, era somente uma novilha que adentrava o mato.

Campo Largo dirigiu-se então, como quem não quer nada, até a beira do capão e observou que o cavalheiro no garboso alazão volteava bem longe, talvez nem viesse até ali. Uma ideia ocorreu-lhe de súbito.

– Ei, piazada! Que tal se a gente fizesse uma sapecada?

– Seria louco de bom…

– Só que eu não tenho fósforo!

O piá mais velho, que fumava escondido, carregava fósforos no bolso mas estava com medo de declarar. O linguarudo do piá mais novo não se conteve e entregou o mais velho.

– Então me empreste. E vão juntar sapé, piazada!

Em pouco tempo uma pilha de sapé ardia, com os pinhões no meio. A fumaça, com o seu cheiro bom, subia por entre as árvores. Era isto que Campo Largo queria. Se o peão visse o sinal de fogo viria na certa ver o que acontecia.

Quando os pinhões começaram a estalar, desmancharam a fogueira com um galho e apagaram o fogo. Com pedaços de pau a gurizada macetava as sementes, comendo-as rapidamente. Campo Largo nem comia direito, calculando o tempo que levaria para o alazão chegar.

De repente, um barulho de cascos batendo foi se aproximando, já se distinguia um vulto vestindo capa de campanha, chapéu de abas largas. As pernas começaram a tremer quando Campo Largo levantou os olhos e viu o alazão garboso na sua frente.

– Buenas! Fazendo uma sapecada, moça?

– Decerto!

– Não sobrou nenhum pinhão pra mim?

– A gente já comeu tudo! -apressou-se em dizer o piá mais novo.

– Vi de longe a fumaceira e vim ver o que era, podia ser algum fogo no capão, depois da geada é perigoso… Mas não precisa olhar assustada pra mim, moça. Muito prazer, meu nome é Ponta Grossa! E o seu?

– Prazer o meu… Campo Largo!

– Então? Não sobrou nada pra mim?

– Só mesmo catando mais um pouco!

– Que não seja por isso, pois lhe acompanho para catar mais uma leva!

Campo Largo disfarçou a satisfação, passou a mão no saco e ordenou para piazada:

– E vocês que fiquem aqui tratando do alazão que eu e o moço já voltamos!