A queda do gigante

Ronaldo Nazário começou sua carreira no Brasil ainda criança, seguiu para a Holanda como um menino prodígio, na Itália se tornou um fenômeno, na Espanha foi endeusado, na Copa da França fez o papel de bobo, na Itália ressuscitou, e retornou ao Brasil feito um monstro em fim de carreira, tão desfigurado que levou a perguntar: é um gordo ou gigante?

Para os dementes corintianos, ele é somente um gordo (“Ronaldo, gordão/fora do Timão!”). Para o Brasil que parou e chorou com ele na hora do adeus, um gigante. Gigante pela própria natureza, gigante pela superação de tantas lesões musculares, gigante pelo tamanho do adversário que o derrotou definitivamente para o esporte. A revelação do hipotireoidismo, nos minutos finais de sua carreira, foi como se na prorrogação ele abrisse o peito e de suas entranhas o monstro mostrasse a sua cara.

Gordo, no fim da carreira foi um gigante. Gigante ao agradecer os jogadores leais e desleais (Óh Pai, perdoai os pernas-de-pau… eles não sabem o que fazem!), gigante por ter engolido com açúcar e com afeto tantas piadas acerca de seu peso, gigante porque temos a oportunidade de compará-lo com o gigante Gulliver que está nas telas do cinema e nas livrarias.

Na recente edição das “Viagens de Gulliver” (Penguin -Companhia das Letras), a magistral obra de Jonathan Swift tem o prefácio assinado por George Orwell. Autor da “Revolução dos Bichos”, Orwell disse que ninguém se cansa ao acompanhar as passadas do gigante: “Se eu tivesse que fazer uma lista com os seis livros que deveriam ser preservados quando todos os demais fossem destruídos, com certeza colocaria “As Viagens de Gulliver’ nela.”

Assim como a vida do gigante Ronaldinho, as aventuras de Gulliver nos permitem várias leituras: antes de qualquer coisa é uma sátira aos livros de viagens; é uma história de aventuras para crianças, recheada de criaturas fantásticas; é um hilário exemplar de humor escatológico e é uma iniciação à ficção científica.

Entretanto, como também observou George Orwell, nas entrelinhas dessa obra de 1776 encontra-se o olhar implacável de Jonathan Swift sobre a natureza humana: “suas instituições, seu apego irracional ao poder e ao ouro e sua insistência em prolongar a vida mesmo quando esta só proporciona sofrimento”.

Assim como Gulliver, Ronaldinho era um gigante. Um gigante feito do mesmo barro do homem, com sua insistência em prolongar a carreira mesmo quando esta só lhe proporcionava sofrimento.