Para tentar entender as origens da corrupção no Brasil é preciso voltar aos estertores do governo de Getúlio Vargas (1954), quando surgiu a expressão “mar de lama”. Conta o escritor Lira Neto, no terceiro volume de sua biografia do caudilho gaúcho, que, naqueles dias de cão, pipocavam escândalos um atrás do outro, uns menores outros maiores, nos mais diversos setores da administração pública – fenômeno que levou Carlos Lacerda a cunhar a expressão que daí em diante entrou para a história do Brasil.
Naquele “mar de lama”, um desses escândalos era a “farra dos importados”, quando o governo baixou um decreto exigindo licença prévia para qualquer tipo de importação. Para evitar o desequilíbrio da balança comercial, priorizando itens de primeira necessidade em detrimento dos bens supérfluos, a medida virou um balcão de negócios com o leilão de propinas. Foi quando um senador da própria base aliada denunciou irregularidades na compra de dois automóveis para a presidência da República: em substituição aos Cadillac então em uso, o palácio encomendara à britânica Rolls-Royce uma limusine fechada e outra conversível com capota de lona, esta que é usada até hoje nos desfiles da Semana da Pátria.
Porém – e aí veio a “marola de lama” -, a firma importadora aproveitou a ocasião para trazer de cambulhada outros dois luxuosos Rolls-Royce, posteriormente vendidos a particulares.
Revelada a falcatrua, o importador tentou justificar que as duas limusines e os dois outros sedans teriam sido despachados da Inglaterra para permitir ao governo brasileiro maiores possibilidades de escolha entre os modelos disponíveis. A desculpa não tinha fundamento, pois os dois Rolls-Royce encomendados para a presidência possuíam carrocerias especiais. Entre outros detalhes, o governo solicitara à fabricante o reforço de chapas de aço no para-choque traseiro e nos estribos laterais – para suportar o peso dos guarda-costas -, além de pequenos mastros para o uso de bandeiras oficias nos para-lamas dianteiros.
Tais detalhes não constavam dos outros dois veículos, um preto e outro cinza, faturados respectivamente em nome do magnata Antônio Peixoto de Castro e da Imobiliária Santa Therezinha – coincidentemente uma das empresas pertencentes à família de Paulo Maluf.
Do “mar de lama” ao “mar do pré-sal” é sempre a mesma coisa: muita corrupção e pouca ética, os males do Brasil são. E a tragédia de Mariana parece fechar este ciclo vicioso com um castigo cingido de triste ironia.