Não é uma comum homenagem, comemorar 70 anos de idade e receber do Ministério de Relações Exteriores do país de origem uma carta de congratulações. A historiadora Oksana Boruszenko, doutora nota 10 em Munique, cidadã honorária do Canadá e, naturalmente, de Curitiba, não podia estar mais feliz como ucraniana de berço e brasileira de espírito.

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Sábado passado, com o salão de festas do Círculo Militar do Paraná colorido com as cores da Ucrânia, a professora aposentada de história da Universidade Federal do Paraná recebeu o carinho de dezenas de amigos de todo o Brasil, incluindo aqueles do exterior.

Dois folclores cercam esta mulher que é uma remanescente da Torre de Babel. O primeiro registra que ela fala as línguas mortas, as moribundas e as exóticas de quebra. Porém, foi com a língua mãe, a ucraniana, que a poliglota abriu os festejos. Poucos sentiram falta de legendas, porque ela imediatamente fez a tradução de si mesma. Em seguida, a cônsul da Ucrânia no Paraná lhe entregou de viva voz o melhor presente da noite: a carta do Ministério de Relações Exteriores, acompanhada de um relógio com o timbre nacional, e ainda a saudação especial do embaixador da Ucrânia no Brasil.

O segundo folclore que acompanha Oksana Boruszenko vem de suas origens. Com os pais ucranianos e nascida em Varsóvia (Polônia) por mero acidente geográfico (ali estava o hospital mais próximo), diz a lenda que Oksana foi a primeira ninfeta do cineasta Roman Polanski, porque dormiram no mesmo quarto. “É daí que vem o folclore”, explica essa cidadã do mundo, curitibana de raro bom-humor: “Moramos durante 5 meses com a família Polanski, dividimos apartamento, com fraldas e tudo o mais, minha irmã era recém-nascida. Essa história de dizer que sou a primeira ninfeta do Polanski foi criada pelo jornalista Aramis Millarch. Encontrei Polanski anos mais tarde (1975), em Nova York, numa manifestação de artistas ucranianos. Foi ele, pelo sobrenome, que me reconheceu. Nessa manifestação estavam John Derek, Debbie Reynolds, Kim Novak, todos ucranianos.

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“La Boruszenko” só foi reencontrar Polanski três anos depois, em Paris. Ele esteve no Brasil, num Carnaval, mas eles dessa vez não se encontraram, só falaram por telefone.

A “primeira ninfeta de Polanski” já não lembra mais quantas vezes atravessou o Atlântico. Mas da primeira vez não tem como esquecer: “A guerra nos pegou na fronteira com a Checoslováquia, onde meu pai trabalhava na fábrica de porcelanas Rosenthal. Com o fim da guerra, passamos para a zona de ocupação americana para podermos emigrar. Primeiro pensamos na Tunísia. Depois tentamos o Canadá, mas não fomos aceitos no exame médico pelas manchas no pulmão de minha irmã Larissa (pianista). Eram restos de pneumonia, não tuberculose. Como o Brasil aceitava toda e qualquer manchinha, cá estamos. Viemos num porão de navio (de nome Campana) depois fomos despejados na Ilha das Flores (Rio de Janeiro), tomamos um trem e desabamos em Marechal Mallet (PR)”.

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Conhecer o apartamento de Oksana em Curitiba é conhecer o mundo de uma mulher confortável (agora em paz com a balança) e feliz. É uma casa de bonecas (sem qualquer alusão a Ibsen), quando recebe os amigos para o “borscht” (sopa de beterrabas), quando mostra os objetos, tapetes e quadros ucranianos da decoração, quando desfila sua coleção de sombrinhas: Oksana as odeia, mas carrega pelo menos meia dúzia a cada viagem, para dar de presente às amigas de Curitiba, esta cidade sua maior paixão.

Doutora Oksana Boruszenko já foi menina entre dois mundos, pouco à vontade em qualquer deles. Hoje, é cidadã desses dois mundos, com a universalidade que lhe conferem a rara cultura e um grande coração. Onde cabem muito mais amigos, pra cá e pra lá do oceano, que os 50 pares de sapatos que gostaria de usar ao mesmo tempo, se possível fosse ser a centopéia da sua fantasia.