A patroa, o bacalhau e o Judas

O jornalista apertou duas vezes a campainha e, pela fresta da porta, atendeu a enfezada faxineira. Ligeiro, subiu o degrau e se enfiou pelo corredor escuro. Sentada na cama, de mão no queixo, a velha cafetina o recebeu com o sorriso amarelo de nicotina, com o diálogo que está no conto “A normalista”, de Dalton Trevisan.

– Alguma dona nova?

– Esse loiro tem sorte. Uma bem novinha. Primeira casa que frequenta. Diz que é normalista.

Bem ao contrário do conto, aquele jornalista de um dos principais jornais da capital não era loiro. Era um moreno com um pé e meio na cozinha. Boêmio com as prerrogativas da imprensa (no século passado a carteirinha de jornalista ganhava desconto nas passagens aéreas e tratamento de doutor na zona do meretrício), naquela Páscoa o influente editor botou o pé na jaca.

Saiu de casa para trabalhar na quarta-feira e, como na quinta-feira o jornal não circulava, na manhã do Sábado de Aleluia ainda não havia aparecido em casa. Ficara hospedado no regaço da normalista bem novinha que estreava na vida.

Na casa do jornalista, no centro da cidade, o sábado amanheceu com uma nuvem negra que se estendia da cozinha à sala de visitas, passando pela pequena varanda onde a esposa conferia um por um dos retardatários, na vã esperança de ver o marido de volta para casa com uma garrafa de leite embaixo do braço. Como o desavergonhado não aparecia, lá pelas dez da manhã ela pegou um táxi e foi ao Mercado Municipal comprar o bacalhau para o almoço de domingo com a família.

Na volta do mercado, a mulher resolveu passar no jornal para tirar a cisma. Bem que o sacripanta poderia estar adiantando o fechamento da edição de domingo para, como fazia todo sábado, comparecer à tradicional feijoada com os amigos no restaurante do Onha.

– Minha intuição não falha, encontrei o meu Judas!

Sentado na principal mesa da redação, foi esta a primeira frase que o editor ouviu da patroa. Seguida de uma série de palavrões próprios da zona de meretrício onde o moreno havia acabado de sair com o cabelo ainda molhado. A lavanda da normalista o acusava.

Esgotados os impropérios, a patroa fez do bacalhau um relho. O chicote da possessa.

Pááft! – e dá-lhe uma bacalhoada no cangote. Pááft! – e dá-lhe outra bacalhoada nas costas. Pááft! – e dá-lhe mais uma bacalhoada no traseiro do trânsfuga que ziguezagueava pela redação. Plááft! – e assim o bacalhau se espatifou redação afora.

A brava imprensa já viu de tudo. Jamais a malhação do Judas com um bacalhau.