A neve da vovó

– Vai ou não vai nevar neste 17 de julho? – perguntou dona Hilária ao neto, que respondeu ao celular:

– Pelo que a senhora sempre nos conta, as condições do tempo eram mais ou menos parecidas.

– Corre na Ótica Boa Vista e compra filmes pra minha Kodak!

– Vovó, há muito tempo isso mudou. Agora as máquinas são digitais, não precisam mais de filmes.

– Mas a minha ainda precisa, e eu não quero ficar desprevenida. Na neve de 1975 venderam todos os filmes e eu não consegui fotografar a volta do teu avô fazendo um boneco de neve na frente de casa, depois de seis anos desaparecido.

Para dona Hilária, que não só de nome é uma graça, como não esquecer aquele dia da Curitiba branca de neve?Quituteira, a vovó tinha 26 anos quando conheceu o paraguaio Pancho, contrabandista fornecedor de uísque para as melhores famílias curitibanas. Foi paixão no primeiro olhar, na saída de uma mansão do Jardim Los Angeles, onde ele tinha acabado de entregar uma caixa de Buchanan’s 12 anos e ela uma cesta de salgadinhos. 

Ficaram (ficaram no modo moderno de dizer) juntos quase um ano, quando o paraguaio foi buscar mercadorias em Foz do Iguaçu e nunca mais voltou. Sumiu. Hilária gastou o que tinha e o que não tinha à procura do paradeiro do amante: não estava preso, não estava em Buenos Aires, em Montevidéu, Asunción e muito menos em Foz do Iguaçu. Pancho não foi localizado nem mesmo no fundo do lago de Ipacarai. 

E assim passaram-se os dias, até que três anos depois outro contrabandista, este argentino, procurou Hilária com notícias do amado: com a venda dos dólares falsos, Pancho havia fugido para o México e, assim que a encrenca esfriasse, ele voltaria para Curitiba com intenção de se casar e botar a vida nos eixos. 

Feita uma Penélope, mulher de Ulisses, Hilária passou mais três anos tecendo um pulôver de tricô. Quando o pulôver amarelo ficou pronto, no dia 17 de julho de 1975, a Penélope estava na cozinha lavando a louça do café da manhã com os olhos grudados na neve que caía e eis que o Pancho apareceu na janela. A neve e o Pancho, o Pancho e a neve. Dois milagres no dia 17, outro ainda no dia 20, quando casaram no cartório do irmão de Poty Lazzarotto. 

– Será que vai nevar? – insistiu na dúvida a esperançosa Hilária, antes de pegar do fundo do armário aquele velho pulôver amarelo do amado contrabandista paraguaio.